PÁSCOA
É interessante verificar que, apesar das missas dominicais já não serem muito frequentadas, as cerimónias da Semana Santa continuam a mobilizar imensos cristãos à volta de uma tradição que representa a morte de um Homem e a sua Ressurreição.
Poderíamos perguntar: – Afinal quem é este Homem e como apareceu nas nossas vidas e nas dos nossos antepassados deixando uma marca tão fortemente cravada algures que não há forma de Se fazer esquecer? Nós sabemos que é Jesus Cristo, o filho de Deus que se fez homem para salvar a humanidade da sua solidão. Os textos bíblicos não usam a palavra “solidão” neste contexto, mas eu arrisco esta interpretação pois ela dá sentido ao que penso ser um dos maiores dramas humanos – sentir-se sozinho, despojado de tudo, inclusive da sua dignidade.
Quem acompanha diariamente o que se vai passando no mundo, o chamado desenvolvido e o que apelidam de “em vias de desenvolvimento”, este último nunca passando da frase atrás citada, compreende que ao abandonarmos as pessoas – as que estão ao nosso lado e aquelas sobre cuja sorte também temos responsabilidades – deixamo-las entregues ao vazio, ao nada…Então, se nos seus corações não existir a presença Divina – não necessariamente o Deus que os cristãos dizem ser o seu – a vida perde todo o sentido e só as leis naturais da sobrevivência humana os levam a resistir.
É assim que ser Cristão não se reduz a uma semana a que chamamos de Santa; é indispensável acreditar que cada um de nós tem a obrigatoriedade de responder à pergunta: – Qual é a minha parcela de responsabilidade com os outros? A resposta não se quer em voz alta, é suficiente escutar atentamente o nosso coração na sua versão mais humana e pôr em prática o que se ouviu. Não é permitido actuar sem a componente amorosa pois só ela sabe revestir a dádiva ou o acto de elementos que afastam a humilhação de ser ajudado…
Sobre a dificuldade que todos nós temos em receber auxílio nas nossas fragilidades, recordo um dia em que estando a descer a escada do Santuário da Esperança verifico que uma colega já idosa apresenta grande embaraço para avançar devido a problemas de visão. Dei-lhe o braço e ajudei-a a descer. Quando chegamos a solo firme a senhora afasta-me com um empurrão e segue o seu caminho. Compreendi; é muito difícil assumir que estamos vulneráveis…
Apesar desta reflexão intermédia, não deixo de me sentir confiante com o facto de ver muitas e muitas pessoas acorrerem à Igreja neste tempo de Páscoa! É sempre possível ao ser humano mudar, transformar a sua vida, aproximar-se da fonte de água fresca. Para nós, baptizados, é Cristo na sua palavra e nos seus actos.
Enrolado sobre si próprio o homem não vê o que se passa na sua rua, na sua praça, na sua terra. Vai vivendo cada dia debruçado na varanda fechada do pé que dói, do filho que tem problemas, do vizinho que se esquece de o cumprimentar. Mas não encontra a felicidade, porque ela não habita em espaços encerrados. A verdadeira felicidade reside onde o amor ao outro se sobrepõe ao nosso bem-estar, à nossa vivência caseira, ao egoísmo de pensarmos que somos o centro do Universo e que, por isso, tudo terá que girar à nossa volta e a nosso favor. Neste erro em que tantos humanos se deixam apanhar, não há lugar para repousar o espírito e acalmar a alma. Estas cerimónias que a Igreja persiste em manter vivas podem ser motor de arranque para a partida do homem ao encontro dos outros, dando resposta às suas necessidades e recebendo o retorno que sempre advém do bem feito ao irmão. Nunca encontrei pessoas infelizes porque praticaram actos de amor. Vi, sim, a maldade e o desamor criar abismos inultrapassáveis, tanto nas pessoas individualmente como entre os Países que não quiseram unir-se na procura de respostas reais e benéficas para os povos que continuam sem pão e sem terra.
É Páscoa. Procuremos o coração que tínhamos na infância. Creio que as respostas para uma vida sã e tranquila estarão, algures, por lá.
Dra. Maria da Conceição Brasil mcbrasil2005@hotmail.com