Por José Pedro Ribeiro (texto) e Diana Tinoco (fotos)
O espaço é pequeno, aliás, muito pequeno, mas também não se podia esperar outra coisa quando, na verdade, o que falamos é de um quiosque. Fora, o movimento de pessoas que por ali passa é plácido, numa velocidade sempre certa – a “velocidade do bom dia”, como gosta de lhe chamara dona da banca, a brasileira Carla Paoliello – bem diferente do ritmo frenético da cidade ou daquele outro que em tempos parece ter marcado a memória coletiva de quem lá nasceu e cresceu – disse-nos o senhor A que aproveitou para comprar o Diário de Notícias.
É no meio deste ambiente, no mínimo raro numa cidade cada vez mais cosmopolita, que nasceu há três anos a Banca31. Não se espera que seja um quiosque normal. Não é. Ali aprecia-se o encanto das publicações nacionais e internacionais de arte, música, fotografia e arquitetura (A Nossa PRIMA lá está, pois claro), a par dos jornais e revistas, diários ou semanais, que não raras vezes aparecem replicados na montra de todos os quiosques da cidade porque na dúvida entre o cliente diário ou aquele que tem um interesse mais requintado há que agradar aos dois, gregos e troianos.
Mas nem só de revistas é feito o projeto. A Banca31 é também um confessionário onde se cruzam histórias da gente que por ali passa quer seja para comprar algumas daquelas publicações mais exclusivas ou simplesmente “dar à letra”: cantam-se eventos felizes, anunciam-se boas-novas, denunciam-se tristezas. Enfim, a vida acontece por ali, e Carla Paoliello dá-lhe a devida importância. Talvez por isso poucos meses depois de abrir a banca, Carla criou uma página de Instagram –@abanca31 – que serve agora de memorial de tributo às pessoas e histórias que ali se cruzam.
“A senhora N quase todos os dias me deseja um bom-dia. Hoje ela começou a falar não só sobre as revistas mas sobre o neto. Disse-me que ele está muito ‘agitado’. Depois de me contar diversas travessuras, lembrou-se do seu tempo. Quando tudo era diferente. Sabe, já nascia adulto. Não existia o termo adolescente e nem o tempo de ser criança. O comportamento já era determinado pelos pais e pela sociedade. Nascer adulto é triste. Espero que ela envelheça criança”, pode ler-se numa das dezenas de publicações da página de Instagram @abanca31.
![A banca A banca](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2021/07/808f6540c3a3d3695bc85fbdfd95f81fe7bb89f3-1600x1067.jpg)
Algumas destas histórias têm por vezes uma projeção inimaginável pelo menos para Carla Paoliello, que nos confidenciou ser chamada de “Carlinda” por uma meia dúzia de clientes e seguidores da página que se sentiram inspirados por uma das histórias partilhadas no Instagram, depois do senhor S ter apelidado desta forma carinhosa a “menina simpática” do quiosque de Alvalade.
“Carlinda, bom dia! Todos os dias ele me chama assim. Passa sempre apressado e leva os sacos na mão. Alguns dias passa mais de uma vez, me mostra as compras do dia e sorri. Acho graça! É que tive poucos apelidos na vida, nasci Carla, dois primos por parte de pai me chamam de Caninha, muitos amigos de Carlinha, os do ballet de Borboleta, e dois alunos queridos de senhora C. Apenas o senhor S me chama assim: Carlinda! Acho muita graça!”, escreveu na altura.
Foi também na Banca31 que Carla conheceu uma das suas melhores amigas: “A mãe dela passou por aqui e ficou muito interessada nas revistas. Algumas semanas mais tarde, a filha veio cá uma e outra vez e depois de algumas visitas à banca ela entrou para conversarmos e rapidamente criou-se uma relação de amizade. Ontem fizemos um pique-nic aqui na banca…ela trouxe uma refeição quentinha e almoçamos aqui”.
Tudo começa a partir de uma boa conversa, da partilha de histórias inquietantes que tantas vezes nascem de uma simples leitura matinal da crónica ou da reportagem acabadinhas de chegar. O que vem a seguir é inexplicável, que Carla Paoliello entende como pequenas trocas simbólicas de conhecimentos e afetos que estão muito para lá de qualquer revista. Diz-me o que lês e dir-te-ei quem és – esta é a chave.
“O senhor R afirmou com ênfase que eu iria gostar deste artigo da The Guardian Weekly. Achei tão curioso que alguém com tão pouco tempo de contacto tenha percebido as minhas preferências literárias. Ele tinha 50% de probabilidade de acertar, penso eu. Eu nunca havia falado sobre florestas, sobre o passar do tempo ou sobre ansiedade com ele. Acontecimentos suspeitos!”
Talvez, por isso, o fim do papel – como todos têm vindo a anunciar – não seja para breve, nem tão pouco se chegue a concretizar. Esta é a opinião de Carla Piollielo, que vê na crise do papel uma excelente oportunidade para a imprensa se reinventar, reforçando a aposta em conteúdos cada vez mais inovadores e inertes aos efeitos do tempo. “A experiência tangível da materialização da cultura de qualquer revista ou jornal não pode nunca terminar. Sinto que as revistas começam a conquistar hoje um status muito semelhante ao dos livros. Há já quem ofereça uma revista de presente, alguns dos meus clientes são o exemplo.”
Há quase meia década, Carla Paoliello, 45 anos, mudou-se com a família para Portugal. Para trás deixou 15 anos como professora numa universidade de arquitetura em Tatinga, Minas Gerais. Hoje, mais do que nunca diz que vir para Portugal foi uma das melhores decisões da sua vida: “Portugal é o meu país e é junto dos portugueses que me sinto verdadeiramente plena.” Faça chuva ou faça sol, a Banca31 está aberta às segundas, quartas, quintas e sábados das 8h às 14h, na Rua da Igreja, 31, Alvalade.
Cinco perguntas a Carla Paoliello
Quais as três revistas portuguesas que mais gosta?
É muito difícil para mim escolher apenas três revistas. Gosto muito da ARCA que convida a olharmos para a arquitetura de uma forma muito interessante. A Umbigo é também uma revista marcante, sobretudo para quem é apreciador de arte contemporânea. Finalmente, não podia deixar de referir A Nossa Prima, porque é uma revista de comportamento cheia de histórias muito inspiradoras.
Quais as três revistas estrangeiras que mais gosta?
Pisagrama, é uma revista brasileira desenhada à volta de um único tema que muda a cada edição, acho muito original a ideia. A revista Cenário é outro exemplo. Uma revista muito futurista com ideias e prospeções muito interessantes sobre o devir. No Courrier Internanacional apaixona-me a curadoria de artigos, sempre muito pertinentes e atuais.
Três melhores capas de 2019?
Não me consigo esquecer da revista Time com o António Guterres. Ficará como uma edição memorável. A edição de dezembro da revista New Yorker com uma ilustração de Eduarda Steed é lindíssima e faz-nos pensar como vivemos o espírito de Natal. A edição de 2019 da The Luezer Archive dedicada aos artistas digitais é um exemplo fantástico de que a imaginação não tem limites.
Ilustradores preferidos?
Posso dizer João Fazenda três vezes? (risos).
Páginas de Instagram que mais gosta?
A página da revista Tribo é inspiradora, apetece-me ir para o campo e passar a viver em contacto direto com a natureza todos os dias. A página da Revista Cubana também é muito interessante e inspiradora. O jornal Expressa também partilha frequentemente informações muito interessantes.
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