Era uma vez uma maravilhosa preta da Guiné

Carismática, extrovertida, encantadora. É assim a nossa figura de capa da quinta edição da PRIMA. Desde sempre ligada à moda, é relações públicas da Showpress, apresentadora de televisão, blogger, mãe e tantas outras coisas

Era uma vez uma maravilhosa preta da Guiné

Desfila pelos corredores da Showpress com uma energia impactante, ajeita o lenço atado à volta da cabeça e coça a raiz do novo cabelo: uma peruca cosida que trocou, temporariamente, pelo afro que a caracteriza. Atira, num jeito desbocado que, viríamos a perceber depois, é muito seu: “Uma black, quando tem cabelo, gosta de andar na rua a abanar a cabeça.” Vimo-la, na agência onde trabalha há 17 anos, receber amigos e conhecidos a quem caiu o queixo com a mudança; vimo-la ser elogiada nas salas de maquilhagem e cabelo dos estúdios da SIC, enquanto se preparava para as gravações de um Tesouras e Tesouros; vimo-la brincar com quaisquer barreiras de racismo que pudessem existir em seu redor. “Para uma preta, até o movimento do pescoço muda.”

Uma mudança de visual, para quem aparece todas as semanas na televisão e tem mais de 40 mil seguidores no Instagram, pode parecer coisa banal e um pormenor de somenos para iniciar um perfil deste género. Mas para uma figura como Mariama, cujo afro é tão marcante quanto o segundo ‘m’ no seu nome próprio – herdou-o da avó guineense –, foi um mês diferente. Se a sua chegada a qualquer sala causa impacto e quase a ouvimos dizer “cheguei!”, vê-la aparecer, cheia de atitude, a gargalhar com as reações à peruca, “de cabelo verdadeiro!”, frisou várias vezes, quase nos faz esquecer de uma lição que a própria gosta de relembrar: “As pessoas dizem que ando cheia de sucesso, apareço em todo o lado, tenho programas de televisão, mas eu estou nisto há mais de 20 anos. O que está a acontecer não foi de um dia para o outro.” Com ou sem peruca, vaidade e presunção são adjetivos que não lhe assistem.

Vim da Guiné com essa mentalidade. Mal chego, falo com a vizinha. Da africana, toda a gente sabe o que se passa na vida dela

Nasceu a 4 de setembro de 1974 em Bissau – “faço 45 anos, vou fazer uma festa, claro” –, onde viveu até aos 5 anos. Em Portugal, a viver em Queluz, foi na companhia da tia-avó Alxina que cresceu, mulher que lhe passou a educação à moda antiga. “Acordava-me às seis da manhã para ir passar a ferro.” Por esta altura teve o primeiro contacto com a moda, graças a um tio com quem também vivia. “Rudolfo/Rudolfa era o nome que ele usava. Descobri na biografia do António Variações, escrita pela Manuela Gonzaga, algumas coisas sobre o tio que me educou (…) Foi nessa fase que absorvi muito a moda. Ligavam lá para casa o António Variações, a Riquita… Quando entrei neste mundo, havia assim umas pessoas da velha guarda que sabiam quem eu era.”
Aos 17 anos, o pai, desde sempre ligado à política em Bissau, informou-a de que ela iria viver para Paris com uma bolsa de estudo, mas que antes passaria uma temporada na Guiné. “Ao fim de um mês, eu, que só queria festa, percebi que afinal estava lá de castigo. E assim fiquei lá sete anos, até rebentar a guerra.” Corria o ano de 1998. Percebe hoje que foram anos de liberdade e que acabaram por definir a sua personalidade. “Lá é tudo mais aberto, tens a casa da mãe, ao lado, a do filho, a do primo… cria-se aquela comunidade, as tabancas, não é? Aqui cada um fica no seu cubículo. E eu vim de lá com essa mentalidade. Mal chego, falo com a vizinha. Da africana, toda a gente sabe o que se passa na vida dela.”

Saiu da Guiné-Bissau sozinha, num barco francês das Nações Unidas rumo a Dakar, onde acabou por se encontrar com a mãe ao fim de algumas semanas de guerra. “Foi um pouco surpresa a forma como começou a guerra. Tinha ido sair à noite com umas amigas, ouvimos umas rajadas de tiros, mas não ligámos. No dia seguinte, o meu pai mandou-me para casa da Milanka [amiga], disse-me para não sair de lá e foi um período muito difícil. Lembro-me da sensação do medo, das bombas a caírem. De não saber se ia voltar para Portugal, não via o meu pai…” Em Portugal, conta, acabou por tentar esquecer o que tinha presenciado. “Com 23 anos queres viver outras coisas, sair à noite, queres ‘pina colada’”, brinca. Costuma, porém, recordar uma ida à Feira Popular com amigos da Guiné, onde se esconderam debaixo das mesas assim que começou o fogo de artifício. “De repente, associámos aqueles segundos ao tempo de guerra. Mas eu não sou uma pessoa melancólica. Sinto, recordo-me, mas não faço disso uma bandeira de personalidade (…) Não quero ter cabelos brancos por más decisões dos outros.”

Uma vez por mês havia um criador que me vestia e eu estava à porta [do Lux] a servir shots

Quando aterrou em Lisboa, passou uns tempos com a família em Santo António dos Cavaleiros até alugar um quarto na Rua do Diário de Notícias, no Bairro Alto. E, de certa maneira, estava plantada a raiz para uma carreira no mundo da moda.

Trabalhava de noite no bar Três Pastorinhos, de dia na loja da estilista Lena Aires. “Eram tempos incríveis. As pessoas arranjavam-se para sair à noite, era só artistas, jornalistas, trocavam-se ideias, criavam-se projetos. Nasceram revistas, jornais, agências de publicidade. Tenho algumas saudades disso.” Com Manuel Reis, de quem fala com carinho, foi trabalhar para o Lux. “Uma vez por mês, havia um criador que me vestia e eu estava à porta a servir shots.”

“Mas a pessoa que me descobriu na moda foi o Dino Alves. Fui assistente dele, aprendi tudo sobre os tecidos, as costureiras, como é que se cria uma coleção”, diz. Através do estilista conheceu Luís Pereira, com quem também trabalhou como aderecista na ModaLisboa. “A roupa chegava, os manequins faziam as provas com os designers, tínhamos de ver se estava tudo bem, passar a roupa a ferro, pendurar nos cabides e esperar que fosse hora de vestir.” Hoje continua a trabalhar nos bastidores de eventos de moda, como relações públicas da ModaLisboa e coordenadora de bastidores do Portugal Fashion, com Luís Pereira.

Quando a Showpress, agência de imprensa e relações públicas na área da moda, do mesmo Luís, abriu, há 15 anos, Mariama Barbosa foi a primeira pessoa contratada para gerir o showroom. Depois do nascimento do filho, José Maria, há nove anos, agarrou uma nova vertente na agência, como relações públicas. Uma atividade que tanto pode levá-la a fazer eventos e pesquisas para clientes como a avaliar as relações entre as marcas da agência e as figuras públicas e, claro, a frequentar outros eventos. “Sempre mais na área da moda, mas não só.”

Pelo caminho, teve tempo para estrear um programa de rádio na Oxigénio, chamado Usa e Abusa de Mariama com K. [Pausa para esclarecimento: o nome é uma brincadeira da amiga Milanka, que sempre se apresentou com a frase “Milanka com K”] “Foram sete anos a falar sobre moda, com notas que tirava de revistas, diferentes temas que levava. Gostava de voltar, hoje em dia tenho mais estaleca.” Em 2007, fez nascer o blogue Mariamacomk, onde até hoje posta com regularidade sobre uma infinidade de assuntos que conhece bem, sobretudo sugestões de peças de roupa e acessórios, alicerçado num lema que usou também como título de um livro publicado pela Esfera dos Livros em 2017: Só é Feio Quem Quer.

Foi através do blogue, atualmente com extensão às redes sociais – “eu, influencer? Não sei. Sempre houve comunicação com pessoas na rádio, no blogue, mas talvez agora haja mais visibilidade” –, que o público começou a familiarizar-se com expressões que a própria cunhou (conheça o significado de termos curiosos como “fechê” ou “chupa limon” na página 20) e que se tornaram uma espécie de imagem de marca. Usa-as enquanto conversa com a PRIMA, na escrita e, claro, no programa Tesouras e Tesouros, que apresenta desde 2016 na SIC Caras.

Foi um convite do Daniel Oliveira, diretor de programas da SIC, e Mariama, que já participava esporadicamente em momentos de comentário televisivo, aceitou-o. “É o meu primeiro programa sozinha”, conta. Gravado semanalmente e transmitido aos sábados, faz comentário a looks de famosos, onde, na companhia de convidados, vai dando tesouradas (negativas) ou coroando (positivas) a um desfile de imagens escolhidas pela produtora, Ana Ramalhete. “É sempre concentrado na roupa, nunca na pessoa. Costumo dizer que enquanto houver pessoas mal vestidas, vai haver programa.”

O meu cabelo não é para qualquer um

Através das próprias escolhas de peças que veste no programa, sempre decididas com o amigo e colega de agência Paulo Subtil, costuma convidar novos stylists e jovens criadores para a vestirem. “Tanto posso vestir uma marca generalista como um estilista famoso, como sangue novo ou um stylist que está a começar. Nesses casos, acabo por promover o trabalho deles. Faço isso com muito amor, sem pensar.”

Dos tempos de backstage da ModaLisboa passou para as relações públicas, meio em que trata especificamente dos convidados dos criadores. “São fornecedores, clientes, família e amigos mais chegados. É uma das prioridades de quem apresenta a coleção. As coisas mudaram bastante. Antigamente ias ver um desfile de moda e levavas a roupa do estilista. Agora já não é assim, mas tem de haver um cuidado com quem contribui para o sucesso da pessoa. Apesar de eu tratar todos por igual”, sublinha.

Receber pessoas, falar com elas, sejam amigos, seja uma conversa casual com transeuntes, parece ser um papel que lhe encaixa que nem uma luva. “Durante algum tempo fui portuguesa, de ir ao pão e não falar com ninguém. Mas África trouxe-me esse presente: a alegria. Voltei para a Guiné uma mulher europeia e vim de lá com uma mistura de personalidade.” Por isso, costuma dizer ao filho: “Não sou rica. As únicas coisas que te posso deixar são carácter, educação e personalidade.” Verdade.

Texto publicado em julho de 2019, na PRIMA 5.

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