O turismo é a indústria mais depredadora e com maior impacto de sempre. Com esta afirmação não quero pôr em causa a mais importante e significativa atividade económica, social e cultural do nosso tempo.
É nesta altura do ano que a Europa (agências de viagens, operadores e turistas) corre às principais feiras onde o turismo para 2025 se vende e compra. A regra é só uma: o máximo (do que quer que seja) pelo mínimo (custo). Ninguém acredita que a atual bolha vai crescer infinitamente, como se nada fosse, sem rebentar como todas as outras; apesar disto, por cá, mantemo-nos eufóricos com os sucessivos recordes de número de turistas, dormidas, receitas, etc., como se não houvesse amanhã e este fosse igual.
A alma de Veneza perdeu-se, a cidade converteu-se num parque temático tipo Disneylândia onde chineses vendem a outros chineses, por um euro, máscaras venezianas fabricadas na China. Um exército de dezenas de milhões de turistas por ano torna a cidade dos sonhos românticos um inferno e os poucos venezianos que restam estão saturados e desiludidos. Os voos baratos e os cruzeiros levaram à extinção da cidade e as autoridades italianas não sabem o que fazer.
Por cá ainda estamos longe deste desolador cenário, mas vamos no “bom” caminho, Lisboa que o diga, onde todos os dias se ouve o grito: “Olhe, desculpe eu vivia aqui.” Na verdade, já se torna complicado passear nos caminhos da encantada Sintra. E o que nos fica? Muito pouco.
Por muito que custe admiti-lo, o turista vive apenas o imediato: o objetivo é viajar cada vez para mais longe em menos tempo com a intensidade máxima, cumprindo o “quanto mais, melhor”. Acresce ainda que, depois da viagem em low cost, o turista no destino exige e consome sem limites – “faz e leva o que quiseres desde que pagues”, o quanto basta para o nosso contentamento. Acresce ainda que turismo, além de persistir na sazonalidade, é profundamente assimétrico; enquanto os clássicos destinos estão saturados, o Portugal vazio permanece vazio à espera de alguns turistas. Esta é a perfeita indústria insustentável.
Enquanto nada se passa, a expectativa é a de continuar a crescer no mesmo contexto (como se nada se alterasse…) e bater os números do último ano. Ora, como em tantas outras matérias, enquanto é tempo, o País deve refletir estrategicamente sobre o turismo que quer; para todos os efeitos, qualquer coisa melhor do que o presente.
Apesar de alguma degradação ecológica, sempre negada pelo Ministério do Ambiente, e exagerada por ecologistas, Portugal goza de um conjunto de patrimónios únicos e de grande valor, positivamente distintivos quando comparados com a concorrência. Entre eles, destaca-se o património natural, que nos dá uma enorme riqueza, não quantificada e ignorada. Aqui, sim, está o nosso valor distintivo, pois temos uma geobiodiversidade única e há muito perdida na Europa.
Podemos e devemos estruturar produtos turísticos que abranjam franjas do mercado de alto valor e baixa pegada ecológica, exatamente o contrário do que hoje temos. Todos os nossos vizinhos, concorrentes, e também origem de grande parte dos nossos turistas, têm mais grandiosos castelos e palácios, igrejas e monumentos romanos, árabes ou gregos. Mas Natureza temos nós melhor.
No que respeita aos principais desafios, já os sabemos e lemos muitas vezes: combate à sazonalidade, valorização do património e da cultura, desconcentração da procura, qualificação e valorização dos recursos humanos, estímulo à inovação e ao empreendedorismo, e envolvimento da população e dos atores locais. Como não?
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