Como carregar? Quanto custa? Quais as diferenças entre carregamento rápido e normal? Preciso de instalar uma wallbox em casa? Estas são algumas das perguntas que nos chegam com frequência por quem está a considerar comprar um veículo elétrico. E é exatamente pelos carregamentos em casa que vamos começar. No próxmo tutorial analisaremos o carregamento nas redes públicas.
Artigo originalmente publicado na Exame Informática 296 (fevereiro, 2020)
Tomada normal
Praticamente todos os veículos elétricos são fornecidos com um cabo para carregar a bateria numa tomada “normal”, também conhecidas por “Schuko”, desde que esteja ligada à terra. Do lado do veículo, a ficha mais habitual é conhecida por Type 2 ou Mennekes. Esta ficha é o standard para carregamentos em corrente alternada (ver Princípios fundamentais), seja em casa, seja nos postos públicos de carregamento normal.
Regra geral, estes adaptadores estão limitados a uma intensidade elétrica de 10 amperes (10 A) por razões de segurança, de modo a garantir que funcionam bem mesmo em instalações elétricas relativamente “fracas”. Como a potência útil resulta da multiplicação da corrente pela tensão elétrica (voltagem), que é fixa (cerca de 230 volts na Europa), a potência de carregamento permitida por estes carregadores é de cerca de 2,3 kW (230 volts x 10 amperes = 2300 watts = 2,3 kW). Ora, como há sempre algumas perdas, o melhor é arredondar para cerca de 2 kW. Isto significa que, por exemplo, uma bateria com capacidade de 40 kWh precisa de cerca de 20 horas para carregar a uma potência 2 kW (2 kW x 20 h = 40 kWh).
É importante que a tomada usada para carregar o veículo seja de qualidade. Boa parte dos carregadores não funcionam quando detetam que a tomada não tem ligação de segurança à terra ou que esta é insuficiente. Muito comum em instalações elétricas mais antigas.
Carregadores portáteis opcionais
Como referido, a maioria dos carregadores para tomadas normais fornecidos com os veículos está limitada a 10 amperes. Mas no mercado há carregadores portáteis que permitem maiores amperagens e, consequentemente, maiores potências de carregamento. O que significa que, por exemplo, se usarmos um carregador portátil de 16 A conseguimos uma potência de carregamento de cerca de 3,7 kW (16 A x 230 V = 3680 watts, cerca de 3,7 kW). O que representa um acréscimo de potência de carregamento (e de velocidade) de 60%. Seguindo o mesmo exemplo: o carregamento completo de uma bateria de 40 kWh de um Nissan LEAF passa das cercas de 20 h para carregar usando o adaptador de 10 A fornecido para cerca de 12 h para carregar usando um adaptador de 16 A (já a contar com algumas perdas). Uma vantagem importante e que, à partida, pode ser conseguida sem grandes (ou nenhumas) alterações da rede elétrica de casa. Ainda assim, recomenda-se sempre a consulta de um especialista para verificar se a tomada elétrica a utilizar suporta os 16 A de modo contínuo durante várias horas.
Há carregadores inteligentes capazes de variar a intensidade de carregamento de acordo com as condições da rede. Por exemplo, o Charge Amps Ray, que já testámos, é capaz de variar a intensidade de 6 a 16 amperes automaticamente. Ou seja, pode começar a carregar a 16 A e baixar automaticamente a intensidade se se verificar algum aquecimento excessivo na tomada após algumas horas de carregamento.
As wallbox permitem utilizar potências mais elevadas do que as tomadas comuns e muitas incluem funcionalidades inteligentes, como a possibilidade de ativação por cartão ou código Exemplo de um carregador portátil de elevada potência (11 kW), o que obriga à utilização de uma ficha industrial trifásica (vermelha)
É possível ter ainda mais potência para carregar em casa? Sim, mas a partir dos 16 A já é obrigatório usar um circuito elétrico dedicado instalado por um especialista. Há que garantir, por exemplo, que a casa tem potência contratada suficiente para alimentar o carregador; instalar cabos e tomadas compatíveis com a maior potência (tipo “industriais”); e instalar dispositivos de segurança adequados (disjuntor e interrutor diferencial).
Em circuitos monofásicos o máximo “normal” é 32 amperes, o que permite uma potência de carregamento de cerca de 7 kW. Nestas condições, seguindo o mesmo exemplo da bateria de 40 kWh do Nissan LEAF, o tempo de carregamento total baixaria para cerca de 6 horas.
Carregar em casa: o que importa saber
– O cabo/adaptador para ligar a tomadas comuns normalmente fornecido com o veículo (10 A) é suficiente para recuperar pelo menos 100 km de autonomia na maioria dos carros (consumo entre 15 a 20 kWh/100 km) durante a noite (10 h). Um valor perfeitamente satisfatório para a maioria dos utilizadores.
– Quando a usar a tarifa bi-horária é possível obter um custo inferior a €2/100 km. Verifique se o seu operador de energia disponibiliza uma tarifa mais baixa para VEs.
– A aquisição de um carregador portátil com maior potência permite acelerar o carregamento. Um carregador regulável até 16 A é suficiente para carregar a uma velocidade 60% superior relativamente a um carregador de 10 A e pode ser usado em muitas casas sem alterações na instalação elétrica.
– Carregadores portáteis e fixos (wallboxes) com intensidades acima dos 16 A exigem um circuito elétrico dedicado e uma instalação feita por profissionais.
– A velocidade máxima de carregamento em corrente alternada, a que é usada em casa e nos carregadores normais (não rápidos), é definida pelo carregador interno do carro. Há carregadores internos de uma fase e de três fases e com diferentes níveis de amperagem (intensidade). Por exemplo, não vale a pena adquirir um carregador de três fases (trifásico) se o carro apenas suporta uma fase.
Atenção ao carregador interno do veículo
Para simplificar a linguagem, é habitual chamar-se carregadores aos cabos/adaptadores portáteis usados para carregar veículos elétricos com corrente alternada (o tipo usado em casa e nos postos de carregamento não rápido). Mas, na realidade, os carregadores estão dentro dos carros elétricos e os cabos/adaptadores mencionados não passam disso mesmo: são conhecidos por Electric Vehicle Supply Equipment (EVSE).
São os carregadores internos dos carros elétricos que definem qual o tipo de carregamento suportado quando a usar corrente alternada. E é fundamental conhecer as características deste carregador interno quando se procura adquirir ou instalar um EVSE, seja portátil ou fixo (wallbox).
Vamos a exemplos concretos. Os Nissan LEAF, por exemplo, estão equipados com um carregador interno monofásico até 32 amperes. O que significa que, pelas razões já explicadas, podem carregar até uma potência máxima de cerca de 7 kW quando a usar corrente alternada . Logo, não faz sentido adquirir um EVSE trifásico para carregar este carro . É também por isto que, em postos de carregamento normal e wallboxes de 11 kW (trifásico), o Nissan LEAF só carrega a 3,6 kW.
Confuso? É natural. Mas com os conhecimentos que já adquiriu deverá perceber as razões desta limitação. Acontece porque os postos de 11 kW são trifásicos, mas cada fase é de apenas 16 amperes (16 A x 230 x 3 = 11040 watts, cerca de 11 kW). Ou seja, carros com carregadores monofásicos só conseguem usar uma das fases, um terço dos tais 11 kW. Para um LEAF e para a maioria dos carros elétricos do mercado, um carregador monofásico de 32 amperes (cerca de 7 KW) é preferível a um carregador trifásico de 16 amperes (cerca de 11 kW). Só em carros equipados com carregadores internos trifásicos, como os Tesla, Renault Zoe ou BMW i3, fará sentido instalar uma wallbox trifásica de grande potência, mas este tipo de instalação não é habitual em casas e tem custos extra.
Vivo num apartamento
Em casas do tipo moradias, é normalmente fácil carregar um VE. Mesmo quando não há garagem, é, regra geral, possível estacionar à “porta de casa” e chegar facilmente a uma tomada elétrica. O mesmo é válido para edifícios de apartamentos com garagens individuais fechadas (“boxes”), onde existem pontos de eletricidade alimentados pelo quadro elétrico associado ao apartamento.
Em edifícios de apartamentos sem qualquer tipo de garagem, obviamente que é impossível carregar VEs. Há utilizadores destes veículos que têm recorrido a soluções imaginativas, como usar extensões para alimentar um VE colocado muitas vezes a dezenas de metros. Uma solução que não se recomenda, não só por razões regulamentares, como, mais importante, por razões de segurança.
Em edifícios com lugares de parqueamento em garagens coletivas, há três possibilidades. A primeira é que o lugar tenha já uma tomada ligada ao quadro elétrico do apartamento do condómino, o que acontece em edifícios recentes (imposição legal). Se esta tomada não existir, restam outras duas possibilidades previstas pela lei: usar energia elétrica comum (do condomínio) ou, se tecnicamente possível, instalar um cabo que ligue o lugar de estacionamento ao apartamento do condómino. Se esta última opção for possível e viável, fica tudo resolvido.
No caso da opção de se usar energia paga pelo condomínio, o condómino utilizador do VE deverá assumir os respetivos custos energéticos através de um acordo com o condomínio. O que pode passar por, por exemplo, instalar um contador de energia elétrica associado à tomada a usar para que o valor consumido no carregamento possa ser pago mensalmente ao condomínio. É importante salientar que o condomínio é “obrigado” pela lei a aceitar a instalação de dos métodos de carregamento mencionados, a não ser que consiga provar que há razões técnicas que impeçam a instalação.
Princípios fundamentais
Para compreender como os diferentes tipos de carregadores afetam a velocidade a que se consegue carregar a bateria é importante conhecer alguns conceitos elementares da energia elétrica.
AC vs DC
A corrente elétrica que é produzida nas centrais elétricas e que chega às nossas casas é do tipo alternada (AC), mas as baterias usam corrente contínua (DC). É, portanto, necessário converter AC em DC para carregar um VE. Um processo que pode acontecer no próprio veículo, através do carregador interno, ou posto de carregamento. Nos VEs mais “leves”, como algumas scooters ou trotinetas, este carregador é externo – semelhantes a carregadores de computadores portáteis, por exemplo.
Potência
Num VE, a potência tanto pode ser empregue para definir a capacidade do motor como, também, a capacidade de carregamento. A unidade é o Watt, mas, em VEs, é mais comum usar-se o múltiplo quilowatt (kW), o mesmo que 1000 Watts. Quanto maior for a potência de carregamento, mais energia elétrica é carregada na bateria por unidade de tempo (maior velocidade de carregamento). A potência (P) é diretamente proporcional à intensidade da corrente (Amperes) e à tensão elétrica (Volts), de acordo com a relação P=AxV. Numa comparação habitual com sistemas de água, a potência representaria a velocidade com se conseguiria encher um tanque de água. Percebemos intuitivamente que um tanque de água enche mais depressa quanto maior for a pressão e dimensão do tubo que o alimenta
Intensidade (amperagem)
A forma como se mede a corrente elétrica. Voltando à comparação com a água, é o equivalente ao volume de água transportado por um tubo. Em instalações elétricas de tensão elétrica (voltagem) fixa, que é o que acontece nas casas, usa-se a variável amperagem para dimensionar a instalação elétrica (a espessura dos cabos, por exemplo).
Tensão elétrica (volts)
Representa a diferença de potencial elétrico entre dois pontos. Seguindo a analogia da água, representaria a diferença de pressão entre a entrada e saída do tubo. Como se sabe, a água flui mais rapidamente quando há uma diferença maior de pressão. Em nossas casas, a tensão elétrica é de cerca de 230 volts.
Fases
Regra geral, nas nossas casas a alimentação elétrica é monofásica. É por isso que os cabos transportam normalmente apenas dois fios (fase e neutro), devendo existir ainda, por razões de segurança, um terceiro fio dedicado à terra. Mas em instalações de maior potência, como acontece em empresas, é normal recorrer-se a instalações elétricas de três fases. Há carregadores de uma ou de três fases.
Energia (kWh)
O quilowatt hora (kWh) é utilizado para medir a energia consumida ou armazenada. Por exemplo, se carregarmos um veículo a uma potência de 7 kW durante duas horas, a transferência de energia para a bateria será de 14 kWh (7 kW x 2 horas). Do mesmo modo, se um motor elétrico requisitar uma potência de 25 kW durante duas horas, a energia consumida será de 50 kWh. É também o valor medido pelo contador elétrico instalado em nossas casas para definir o valor a pagar.
Potência aparente, reativa e ativa
Nos circuitos de corrente alternada, como os das nossas casas e os que fazem os motores elétricos funcionarem, a potência útil, aquela que é efetivamente utilizada, é diferente da potência aplicada, aquela que “sai da tomada”. É por isto que em circuitos de corrente alternada se menciona muitas vezes a potência aparente em voltampere (VA) ou na variação kVA (Kilovoltamperes, 1 kVA=1000 VA). Ou seja, em circuitos AC, a potência útil (ativa) é, regra geral, um pouco diferente da potência aparente. Mas, para simplificar as “nossas contas” neste artigo consideramos que estas duas potências são equivalentes.