Era um dos projetos culturais mais aguardados, revela-se como um player fortíssimo que poderá redesenhar o art district de Belém. Já muito se escreveu sobre o MACAM – Museu de Arte Contemporânea Armando Martins, um sonho de décadas do colecionador português premiado pela ARCOMadrid em 2018, que abrigou as suas mais de 600 obras, compreendidas entre o final do século XIX até aos dias de hoje, no Palácio dos Condes da Ribeira Grande.
Aqui, pintura, fotografia, escultura, algum vídeo mostram-se nas várias galerias do MACAM, de artistas nacionais e internacionais que configuram um who’s who da arte moderna e contemporânea: Almada Negreiros, Amadeo, Helena Almeida, Lourdes Castro, Rui Chafes, Cabrita Reis, José Pedro Croft, Fernão Cruz, Bruno Cidra, e, a nível internacional, Olafur Eliasson, Matt Keegan, Marina Abramovic, Thomas Struth, Liam Gillick, Ernesto Neto, Gilberto Zorio, Dan Graham…

A diretora do MACAM, Adelaide Ginga, assegura que “a coleção vai continuar a crescer durante muitos anos”. “É uma promessa do nosso colecionador, a de que todos os anos vamos ter uma dotação para novas aquisições, desenvolver a coleção e colmatar lacunas que foram identificadas. Este é um espaço vivo, que está agora a abrir ao público”, conclui. A abertura a artistas de outras geografias menos representadas – Ásia, África, América Latina – é, igualmente, um objetivo.
O MACAM assume-se igualmente como um projeto diferenciador que reúne museu e hotel de 5 estrelas (a abrir portas em abril, com tarifas médias de €400 por noite), que ambiciona marcar a diferença, a nível nacional e internacional, e sustentar-se sem dinheiros públicos. E é no dia do 75º aniversário do colecionador Armando Martins, celebrado a 22 de março, que o MACAM abre portas com uma programação gratuita que se quer inclusiva, com visitas guiadas às exposições, eventos musicais, poesia, atividades para crianças e famílias.
Programa intenso
As portas abrem às 10h da manhã deste sábado, 22, e a agenda compreende várias visitas guiadas com duração entre 30 e 60 minutos (ver horários no site do museu), acompanhadas pelo MeP – Programa de Mediação e Participação do MACAM.
O público percorrerá assim as quatro galerias do museu, agora com 215 obras expostas das mais de 600 acumuladas ao longo de cinquenta anos de coleccionismo. No edifício restaurado do palácio, nas galerias 1 e 2, os visitantes poderão contemplar a mostra permanente, Uma coleção a dois tempos, curada por Adelaide Ginga e Carolina Quintela, com núcleos fortes dedicados à arte naturalista e modernista, à vanguarda portuguesa, ou à fotografia contemporânea.

Na extensão construída de raiz – com uma fachada de cerâmica da autoria de Maria Ana Vasco Costa, e premiada nos Public Building Design Awards – o ponto de encontro será no Grande Hall, a partir das 11h30: o objetivo é conhecer melhor algumas obras integradas das duas exposições temporárias: Antropoceno: em busca do novo humano?, que explora questões ecológicas; e Guerra: realidade, mito e ficção com obras que refletem os conflitos e a geopolítica mundial. Trabalhos marcantes como Litlle Boy #1 de João Louro (uma réplica em tamanho natural da bomba largada em Hiroshima) ou One Million de Fábio Colaço (uma pirâmide de notas trituradas correspondente a um milhão de euros) serão explicadas e debatidas pelos mediadores.

Também a música e a poesia têm destaque neste fim de semana de celebração: no sábado e domingo, das 16h às 19h, haverá um DJ set no Jardim a cargo de Rui Miguel Abreu; e no domingo, entre as 18h e 19h, no espaço àCapela, faz-se a apresentação do álbum Afloat por André Barros e Tiago Ferreira (piano a quatro mãos) tendo como convidado Paulo Bernardino no clarinete. Também no espaço àCapela, logo no sábado das 18h às 19h, haverá poesia musicada: leituras por Rita Loureiro e música por Bruno Castro Silva.
Outra iniciativa a ter lugar nos três dias é inspirada nas obras patentes no Grande Hall, destinado a artistas emergentes como Marion Mounic, que aí mostra a instalação Harém, criada com vários materiais orgânicos incluindo henna: Das Mãos Saem Gestos decorre das 11h às 13h e das 15 às 17h, sujeita a lotação, propondo-se pinturas corporais por artistas de henna, inspiradas na arte ancestral do mehndi.
As crianças e famílias também não foram esquecidas: Play Cart: Inventários tem o objetivo de “desenvolver experiências a partir das obras de arte da coleção”, e terá lugar no sábado e domingo das 11h às 13, e das 14h30 às 18h.
Na segunda-feira, diz 24, o programa manterá as visitas guiadas, mas num formato mais conciso, com a última conversa a acontecer às 15h, em torno da referida peça de João Louro. Também durante estes três dias, e até ao encerramento de portas às 19h, o público poderá conhecer a capela dessacralizada, o àCapela, alvo de restauro intenso onde funcionará um café – e onde está patente a instalação do artista espanhol Carlos Aires que joga com a iconografia religiosa e a violência profana da guerra, revelando um Cristo negro num fundo de vídeo alusivo aos conflitos humanos – assim como o restaurante Contemporâneo com grandes janelas viradas para o jardim.

Espaço vivo
A ideia de criar o MACAM nasceu, diz Armando Martins já depois dele ter começado a comprar serigrafias aso 18 anos. Mais concretamente, quando o colecionador organizou uma primeira exposição num lugar familiar: “Em 1988, organizei com amigos uma exposição do Cargaleiro em Penamacor, de onde sou natural: tinha aí uma pequena estalagem que está sediada na estrada municipal de Penamacor, e acabamos por expor, entre serigrafias e obras originais, à volta de 90 peças. Na altura, existia uma Rádio Monsanto que anunciou a exposição no ar, e, com surpresa nossa, apareceram umas quatrocentas pessoas! Havia gente de Ponte de Sor, de Coimbra, da Guarda, da Golegã…”, conta.

O colecionador recorda ainda: “Tivemos de chamar a Guarda Republicana para tomar conta do transito. Perguntei-me: “Como é que no interior, quase junto à fronteira com Espanha, afastado de tudo, aparece esta gente?” Percebi que se trabalharmos na museologia, mesmo no interior, o público aparece. E comecei a pensar na ideia para abrir um espaço público.”
Várias décadas depois, o MACAM vem reforçar igualmente o crescente art discrict de Belém, onde existem já o MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, o MAC/CCB – Museu de Arte Contemporânea, e ainda o Museu dos Coches.
Adelaide Ginga, diretora do MACAM, defende a especificidade deste museu criado pelo colecionador: “A coleção do MACAM é bastante distinta das outras: tem um núcleo de arte portuguesa que reúne desde o naturalismo aos vários modernismos. Não é o caso do MAC/CCB, que tem um núcleo histórico mais internacional e menos nacional, essencialmente contemporâneo, nem do MAAT cuja coleção se centra essencialmente a segunda metade do século XX. Acredito que somos uma coleção muito complementar, do ponto de vista de outras coleções que estão nesta zona de Lisboa, mas também com outros museus, como o Museu Gulbenkian e o Museu Nacional de Arte Contemporanea. Em termos de projeto em si, temos um projeto bastante diferente: desde logo pelo lado inédito de ter um hotel aqui dentro, mas também porque somos efetivamente, à exceção da Gulbenkian, o único museu exclusivamente privado.”
Durante os três dias que assinalam a inauguração do MACAM, o acesso é gratuito. Depois, a entrada no museu será paga. O MACAM garante ainda entrada gratuita no primeiro domingo de cada mês, entre as 10h e as 14 horas. Quanto ao hotel, quem desejar ficar num dos seus 66 quartos, terá de esperar por abril.
MACAM – Museu de Arte Contemporânea Armando Martins > R. da Junqueira, 66, Lisboa > T. 21 872 7400 > festa de abertura: 22-24 mar, sáb-seg 10h-19h > grátis > ter-dom 10h-19h > €15, €12 (exposição permanente + uma temporária), €8 (apenas exposição permanente), €6 (cada exposição temporária), grátis até 12 anos, desconto de 50% para jovens 13-18 anos, estudantes até aos 25 anos e mairoes de 65 anos > grátis 1º dom mês 10h-14h