A obra radical deste filho de diplomata, nascido em 1946 e radicado no Brasil, é reconhecível e incontornável. Cruzando arte, fotografia e cinema, Rio Branco produz imagens ancoradas num registo documental, habitadas pela violência, pela sexualidade, pelos circuitos marginais, como na série Maciel (1979) em que fotografou a intimidade das prostitutas da zona do Pelourinho, em Salvador da Bahia, ou no ensaio fotográfico de Academia de Boxe Santa Rosa (1993), no Rio de Janeiro.
As fotografias de cores saturadas, iluminadas num jogo de claro-escuro, nunca excluem o compromisso humanista, mas a intimidade da sua câmara faz-nos roçar peles, suores, sangue, cicatrizes. Um voyeurismo que não atenta à dignidade dos fotografados, ainda que nus, pobres, mutilados, explorados.
Nos últimos anos, o trabalho do artista contém mais biografia e som: há um desejo de “desconstrução da imagem convencional”, há maior influência da pintura, da qual diz ter-se reaproximado “nos vai e vem da vida”.
Esse “caos” visual também está patente em Self-Portrait of Nowhere, grande exposição com 40 trabalhos de diferentes períodos, alguns filtrados na instalação Out of Nowhere (um título retirado de uma música cantada por Fred Astaire), de 1994, feita de retalhos, projeções fotográficas, recortes de jornais, espelhos trouvé. Um palimpsesto idealizado pelo artista na pobreza de Paris: as imagens coladas em tecidos podiam ser transportadas numa mala…
Os seus diferentes planos de leitura remetem para a arte barroca, influência assumida. Sintetiza a curadora Helena Mendes Pereira: “Há esplendor, dor, dramatismo e sempre o corpo visto como ato político e retrato social em toda a produção de Miguel Rio Branco.” Aleluia.
Self-Portrait of Nowhere, de Miguel Rio Branco > Zet Gallery > R. do Raio, 175, Braga > até 18 jan, seg-sáb 14h-19h > grátis