Em 1994, o lançamento da compilação Rapública pela Sony Music parecia indiciar que o País tinha acordado para o hip-hop. Mas, apesar do êxito Nadar, dos Black Company, que integrava a coletânea, e das edições de discos dos Da Weasel, Boss AC ou General D, a implantação desta cultura demoraria a acontecer em Portugal.
Olhando para estes últimos 30 anos, o jornalista Rui Miguel Abreu aponta várias pistas: “Quando hoje ouvimos nas notícias os discursos de ódio contra o outro, seja ele o imigrante africano, o refugiado sírio ou o trabalhador paquistanês, é nítido que temos um problema histórico e estrutural de racismo, e isso ajuda a explicar a invisibilidade de uma cultura que era associada a jovens afrodescendentes.”
Em 2023, quando o Museu de Almada o desafiou a organizar uma exposição sobre a cultura hip-hop no concelho, o jornalista sabia que tinha em mãos um grande desafio. Como se conta uma história que não deixou marcas visíveis, que não foi documentada? “Ninguém ali, ao contrário do que se passou no rock, pensou ‘eu vou fazer uma carreira’”. Escrever em paredes, rimar em grupos de amigos na rua ou no barco de Almada para Lisboa, a caminho das poucas festas que existiam, “era uma questão de afirmação, de sobrevivência em círculos muito específicos”. “Por outro lado, o acompanhamento que se fez desse movimento foi sempre muito esparso, ocasional e, de alguma maneira, enviesado”, sublinha o jornalista, concretizando: “Quando Sam The Kid canta ‘não percebes o hip-hop!”, em 2001, estava a dar conta de um sentimento geral, de que esta cultura não era entendida. E essa desatenção acabou por se refletir na própria atitude dos artistas, não se guardaram objetos, tudo tinha um caráter muito efémero.”
Filhos do Meio, Hip Hop à Margem tenta trazer o espírito desta cultura para dentro do museu através de palavras que se leem nas paredes. Daniel Freitas (o músico TNT, corresponsável pela editora Mano a Mano) e Ricardo Farinha (jornalista, autor de Hip Hop Tuga – Quatro Décadas de Rap em Portugal) fizeram um “enorme” trabalho de pesquisa junto da comunidade em busca de documentação, sobretudo fotográfica, e Francisco Freitas, aka Chikoalev, ficou responsável pelo design expositivo. Em boa hora, decidiram fazer também um documentário, realizado por Luís Almeida e Alexandra Matos.
Várias atividades estão previstas até ao fim da exposição – concertos, debates, workshops, podcasts, o lançamento de um livro e a estreia do tal documentário. Um precioso acervo documental que ficará para memória futura.
Filhos do Meio. Hip Hop à Margem > Museu de Almada – Casa da Cidade > Pç. João Raimundo, Almada > 26 out-29 mar 2025, ter-sáb 10h-13h, 14h-18h > €1,68