“Criticismo, algum cinismo e muito humor” são as palavras que João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira elegem para descrever a forma como têm visto e interpretado o Mundo nos últimos anos.
Juntos desde os tempos de faculdade, na arte e na vida, os artistas celebram, em 2024, 25 anos de carreira, assinalados com a mostra antológica Casa Vale Ferreira, patente no Museu de Serralves até dia 17 de novembro.
Do salão aos quartos, salas de leitura, biblioteca, cozinha, jardim e capela, a dupla tomou de assalto a casa cor de rosa de Serralves com algumas das suas obras mais icónicas, transformando-a num retrato atualizado daquilo que tem sido a sua prática artística nos últimos 25 anos.
Ao contrário do habitual, a entrada na exposição faz-se através do salão com vista para o jardim, no centro do qual encontra-se Tea Room, instalação idealizada de raiz para a exposição, composta por um charriot redondo com dezenas de casacos de cabedal, nos quais foram bordadas referências a personagens (que já tenham morrido), acontecimentos ou lugares do imaginário queer com influência direta no trabalho da dupla.
“Nesta obra procuramos uma ideia de performatividade. As pessoas são convidadas a fazer parte da peça, vestindo um casaco à sua escolha enquanto veem a exposição, acabando por realizar as suas próprias performances, ao circularem pela casa, a ver os casacos que os outros têm vestidos ao mesmo tempo que também são vistas por eles”, explica Nuno Alexandre Ferreira.
De blusão vestido, é tempo de partir à descoberta de obras como as Milagrosas Águas de São Bento, uma edição de 12 mil garrafas espalhadas pela cozinha, Heróis do Mar, um farol de sete metros de altura feito de areia, ferro e esferovite, Get a Voice, uma mão cheia de balões junto de uma botija de hélio, prontos a serem enchidos e “alterar” a voz de quem os usar, recriando a performance homónima que, em 2002, a dupla realizava em parceria com Ana Perez Quiroga, ou Vadios (palavra utilizada na lei de Julho 1912 que penalizava a homossexualidade), a réplica de um urinol de rua, coberto de inscrições manuais de excertos de textos de Raul Leal, António Botto, Almada Negreiros e outros escritores que, ao longo do século XX, fizeram referências explícitas ao tema da homossexualidade.
Explorar a Casa Vale Ferreira é refletir, através de uma mostra, nas palavras dos artistas “eminentemente performativa”, sobre o conceito de casa em si mesmo.
Uma casa que, ao invés da ideia de domesticidade, procura ser sinónimo de sentido de pertença: a uma comunidade, um ideal, um grupo de amigos, uma família ou uma mão cheia de memórias.
Até porque, sublinham João Pedro e Nuno, “as coisas fazem-se coletivamente, é preciso chamar toda a gente, não se consegue fazer nada sozinho. Sozinhos podemos ser o que quisermos, mas somos só para nós e isso não chega”.
Casa Vale Ferreira > Museu de Serralves > até 17 nov, seg-sex 10h-18h, sáb-dom 10h-19h > €20 (acesso a todas as exposições no museu)