A síndrome de Estocolmo foi descrita, pelo sueco Nils Bejerot, em 1973, como um estado psicológico particular, no qual a vítima demonstra indícios de lealdade e sentimento de gratidão para com o seu sequestrador. Facilmente se extrapola para outras relações complexas de abusador e vítima e, naturalmente, ganha novas dimensões quando a vítima é estruturalmente mais frágil, e dependente, como sucede no caso das crianças, mais ainda em relações filiais.
O conceito observado tem sido explorado pela ficção, pois torna-se um fator de complexificação narrativa, enriquecendo a densidade psicológica das personagens. É o que acontece, de forma hábil e intensa, com O Amor Segundo Dalva, o ambicioso primeiro filme da francesa Emmanuelle Nicot, que se estreou em Cannes e ganhou o prémio FIPRESCI.
Nicot formou-se na Bélgica e encontram-se afinidades com o realismo social dos irmãos Dardenne e a sua linha narrativa de contar dramas sociais em países desenvolvidos do centro da Europa. A realizadora põe todas as fichas na criação da personagem central, Dalva. Não a encontramos perante o abuso, mas num quadro psicológico complexo, de uma falsa emancipação e sexualização de uma rapariga de 12 anos, recebida numa casa de acolhimento após ter sido retirada do pai, que se resume na frase: “Eu não sou uma rapariga, sou uma mulher.”
Uma personagem deveras fascinante, que confunde o trauma do abuso com o trauma da separação do abusador, que nos mostra o motivo pelo qual a lei protege os menores até em casos em que os episódios ocorreram por sua deliberada vontade. Uma interpretação assinalável de Zelda Samson, atriz em estreia, que tinha realmente a idade da personagem que interpretou.
O filme está longe de ser perfeito, mas abre perspetivas de forma ousada, não receando mostrar toda a complexidade de uma realidade extrema e repugnante, que temos tendência a olhar de forma simplificada.
O Amor Segundo Dalva > De Emmanuelle Nicot, com Zelda Samson, Alexis Manenti, Fanta Guirassy > 83 min