Dificilmente se encontra no cinema um percurso tão consistente como o do luso-suíço Basil da Cunha, que de alguma forma fundou as próprias regras e tabelas de um cinema social. E fá-lo com propriedade, há mais de dez anos, com um fundo estrutural e concetual ideológico, que nunca se confunde com o novo neorrealismo e muito menos com um engajamento propagandístico.
Basil mudou-se para a Reboleira, assentou ali arraiais e deixou-se levar pelas histórias e personagens que encontrou naquele bairro da Amadora. Desde o início que o método que escolhe é trabalhar de dentro para fora, ou seja: não só as histórias como os cenários, os atores e até parte da equipa técnica são do bairro (ou pelo menos das proximidades), usando uma dinâmica flexível, que documenta, com o objetivo de tirar partido de toda a espontaneidade e da autenticidade do meio envolvente.
Assim aconteceu nas suas longas e curtas anteriores, e assim acontece em Manga d’Terra, em que acrescenta, com ousadia, uma nova camada: trata-se de um filme musical.
O jargão de musical pode significar várias coisas, mas diga-se, logo, à partida, que esta longa desfia ou desvia-se dos padrões do género. Não é um musical de elaboradas coreografias à moda da Broadway. A música surge quase como um elemento endógeno, pela circunstância do ambiente do bairro e do facto de a própria protagonista ser cantora. Através da música, Rosa exprime sentimentos indizíveis e invisíveis.
De resto, o filme tem um enredo bem comum, contemporâneo e de cariz neorrealista (e naturalmente político), ao fazer o retrato de uma jovem imigrante cabo-verdiana, que se confronta com a selva urbana da grande Lisboa – e sobrevive. No fim, fica um aplauso para Eliana Rosa. Mais do que uma atriz, descobre-se a voz de uma grande cantora.
Manga d’Terra > De Basil da Cunha, com Eliana Rosa, Lucinda Brito, Nunha Gomes, Evandro Pereira > 96 min