Radu Jude é um dos mais fascinantes e insubordinados realizadores europeus contemporâneos, pela maneira como subverte as convenções e se sente livre para explorar formas e formatos no seu cinema, ao ponto de, ao longo dos últimos anos, a sua filmografia derivar entre longas e curtas-metragens e entre ficção e documentário.
A sua longa anterior, Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental, mostrava Bucareste à beira da ebulição social, em plena pandemia. Foi o grande filme da crise pandémica, que lhe valeu um Urso de Ouro em Berlim. Apesar de formalmente diferente, este Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo tem pontos em comum. Sobretudo o recurso a uma sociedade caótica, em pleno conflito, ainda a contas com o passado ditatorial, mas sem esconder a desilusão com o presente capitalista e selvagem.
O filme gira em volta da personagem de Angela, uma produtora de cinema que viaja de carro pela cidade para recolher depoimentos para um filme promocional encomendado por uma grande fábrica. Tal como no filme anterior, o que vemos aqui é uma tensão constante, nervos à flor da pele e, ao mesmo tempo, sobrevive aquele sentido de humor que caracteriza o novo cinema romeno da primeira e da segunda vagas e, muito especialmente, as ficções de Radu Jude.
O realizador romeno arrisca misturar vários formatos e estilos, como que separando o filme em três linguagens visuais distintas, mas que se apoiam. O tempo presente e real é feito num preto e branco sóbrio, que poderia servir de homenagem à Nouvelle Vague. É interrompido pelos vídeos de TikTok polémicos e ordinários que Angela filma sob pseudónimo. E, finalmente, e talvez esse seja o elemento mais original, intercala com cenas do filme Angela Merge Mai Departe, de Lucian Bratu, de 1982, filmado em película, a cores, cheio de grão, que conta a história de uma mulher taxista na Roménia de Ceausescu.
Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo é um acutilante retrato contemporâneo, em que o realizador não se inibe de fazer cenas longas, contrastando com momentos de grande intensidade. Não atinge a surpresa e a consistência de Má Sorte no Sexo, mas continua a ser uma ideia refrescante de cinema.
Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo > De Radu Jude, com Ilinca Manolache, Ovidiu Pîrsan e Nina Hoss > 163 min