Ela sonha com uma máquina de lavar roupa, ele com o filho que tarda. No pequeno apartamento vivem ainda o irmão dela, mudo devido a um trauma de infância, que passa horas a olhar o céu, e um hóspede com vida dupla, que ambiciona partir para Paris, onde poderá, por fim, ser quem é. Pelo meio, um vendedor tenta cativar a mulher com uma Bruu e convencê-la de que a sua emancipação está à distância daquela máquina de lavar, libertando-a dos afazeres domésticos.
Girafas, texto escrito pelo catalão Pau Miró em 2008, situa-nos num drama familiar passado no final dos anos de 50, num bairro popular de Barcelona. Vivem todos no ar bafiento da ditadura de Franco, ansiando por um escape. O encenador Nuno Gonçalo Rodrigues centrou-se no mecanismo silencioso das girafas, que não têm cordas vocais e comunicam por infrassons. “É um pouco isso que estas personagens acabam por fazer: comunicam por subentendidos, pelo contrário do que dizem, por silêncios, pelo que não dizem.”
O lugar mais evidente dessa desejada evasão, aponta o encenador, é o cabaret La Polvera, onde à noite o hóspede se transforma em Aurora e reclama a liberdade que lhe falta. Também o irmão consegue desaparecer, quem sabe se para o outro lado da Lua ou para o bairro chinês, para os braços duma galega.
Os atores Eduarda Arriaga, Pedro Caeiro, Gonçalo Norton, João Vicente e Vicente Wallenstein interpretam Girafas, em cena no Teatro da Politécnica até ao final de março. O espetáculo dá início à trilogia que os Artistas Unidos dedicam a Pau Miró, partindo de três textos a que o autor chamou “fábulas urbanas”. Prossegue em abril, com a estreia, a 11, de Leões, numa encenação de António Simão, e conclui-se em setembro, com Búfalos, encenado por Pedro Carraca. Se a companhia garantir, por fim, um lugar para continuar a apresentar-se ao público, as três peças subirão ao palco, na íntegra, no outono.
Girafas > Teatro da Politécnica > R. da Escola Politécnica 54, Lisboa > T. 96 196 0281 > até 30 mar, ter-qui 19h, sex 21h, sáb 16h e 21h > €10