A longa-metragem de estreia de Charlotte Le Bon está mais próxima de Twin Peaks (David Lynch) do que de qualquer filme de Xavier Dolan, mesmo que retrate a adolescência, como fez em várias ocasiões o autor que se tornou a grande referência internacional do cinema quebequense contemporâneo.
Em Falcon Lake, não há o mesmo tipo de perversão construída e artificial. Há antes uma manada de monstros fictícios a insinuarem-se num lago idílico, misterioso, mas real. O filme mostra-nos que a adolescência é um lugar estranho, todavia reconhecível, de exploração de medos.
Bastien e Chloé entretêm-se com jogos perigosos, pequenos sustos entre amigos. Mordem-se até fazer sangue, mascaram-se de fantasmas, simulam e desafiam a morte. Encena-se a morte e enfrentam-se os medos, parte deles relacionados com a sexualidade: Eros e Thanatos, juntos como sempre.
Há qualquer coisa de Yorgos Lanthimos (Canino) neste ambiente estival de jogos arriscados e exploração dos limites, mas, na maior parte dos momentos, opta-se por uma delicadeza falsamente cândida, próxima de Chama-me pelo Teu Nome, de Luca Guadagnino.
O lago, cenário de contacto íntimo com a Natureza, adquire o estatuto de personagem. Há uma carga simbólica ampla que esconde desafios de descoberta, ao mesmo tempo que, desde os primeiros momentos, enriquece visualmente o filme, com um trabalho fotográfico deslumbrante, de postal ilustrado com uma aura de mistério.
Tudo se passa entre adolescentes. A tensão é criada entre Bastien e Chloé: ele algo ingénuo e inseguro, em fase de autodescoberta; ela decidida, destemida e algo louca e manipuladora. A relação entre ambos perdura, mesmo no contexto do grupo de adolescentes veraneantes, que lhes coloca novos desafios sociais e, sobretudo, que os confronta consigo próprios. Os adultos – e este é um dos bons pormenores do filme – passam em segundo plano, como se fossem meros figurantes; as suas histórias não são para aqui chamadas.
O filme está cheio de cenas memoráveis, com uma perversidade lúdica. Em nenhum momento se torna um filme do domínio do fantástico, embora o sobrenatural esteja presente no campo imaginário ou especulativo, sem nunca chegar a concretizar-se: é apenas mais um campo do jogo.
Adaptado da novela gráfica Une sœur, de Bastien Vivès, Falcon Lake fez um percurso notável em festivais de cinema. A canadiana Charlotte Le Bon é, sem dúvida, uma realizadora a seguir com atenção.
Falcon Lake > De Charlotte Le Bon, com Joseph Engel, Sara Montpetit, Monia Chokri > 100 min