Podemos mexer em tudo, mas não queremos. É como se mexer nos objetos, sentarmo-nos em cima da cama, vasculharmos os armários e prateleiras, nos tornasse atores ativos – passe o semipleonasmo – daqueles dois quartos e essa é uma sensação que não suportamos, depois de termos passado por um estado de confinamento este ano. Muito menos nestes quartos sombrios, desalentados, cuja aura nos amordaça cada vez mais à medida que vamos ouvindo a voz da personagem que habitou aquele espaço e se encontra agora ausente.
No Teatro da Politécnica, pelos Artistas Unidos, são apresentados dois dos seis (e proximamente sete) quartos escritos pelo irlandês Enda Walsh: Quarto 303 e O Quarto de uma Rapariga. Os espectadores, num máximo de seis em cada espaço, podem escolher ir para a direita ou para a esquerda do edifício, à chegada ao Teatro da Politécnica. E depois trocam. “Surpreendentemente, nunca foi minha intenção gastar os meus últimos dias a ser encarado por uma gorda varejeira num merdoso quarto de hotel”, ouve-se em voz off no quarto em tons vitorianos, verde, mobília escura. Em cima da cama do quarto de hotel nº 303, há roupa suja que se alastra para o chão e uma Bíblia encontra-se em cima da mesa de cabeceira.
“Uma Barbie vingativa deslocava-se por debaixo da minha cama para castigar um coelho Sylvanian e coisas assim – e, enquanto brincava com tudo isto, o barulho da televisão soava por debaixo da minha carpete”, ouvimos uma rapariga dizer, a voz a ecoar de diversos pontos do quarto, umas vezes mais longe, outras mais perto. O quarto é de um rosa esmorecido pela desesperança, algumas folhas do papel de parede estão descoladas.
“O tema do Enda Walsh é as pessoas que, podendo sair, não saem. Aqui, passa pelas que já saíram, os restos do humano”, diz Jorge Silva Melo a propósito destes textos, chamando a Walsh o poeta do confinamento.
Quartos > Teatro da Politécnica > R. da Escola Politécnica, 54, Lisboa > T. 21 391 6750 > até 7 nov, ter-sex 19h, 20h e 21h, sáb 16h, 17h, 18h, 19h, 20h e 21h > €6 a €10