Se Ricardo Alves fizesse a Shakespeare o que fez a Molière em O Burguês Fidalgo, “ele andava à roda na tumba e nunca mais me perdoava”, assume o encenador da companhia Palmilha Dentada. A peça, construída a partir do texto do dramaturgo francês, coproduzida com o Teatro Nacional São João (TNSJ), reabre a sala do Teatro Carlos Alberto a 100 pessoas. O que vale é que Molière tinha sentido de humor.
Da sua comédia-balé original de 1670, musicada por Jean-Baptiste Lully, Ricardo Alves cortou-lhe três personagens e um ato e abriu o último em três finais possíveis. “Molière seria dos poucos autores clássicos que não ficariam muito zangados por lhe assassinar o texto”, ironiza. Das tripas fez-se humor, inseparável da companhia portuense.
É a primeira vez que a Palmilha Dentada pega num texto não original, mas a abordagem é a de sempre. “Como digo que não tenho respeito nenhum pelo Molière, também peço aos atores que não respeitem o meu texto”, diz o encenador, que quer que a adaptação seja “completamente reescrita” em palco. Os seis atores, que se desdobram em 14 personagens, fazem uso da improvisação sempre pronta da companhia. Em palco, surgem desabafos sobre a atual crise na cultura (na época de Molière, havia mais atores porque “o rei pagava”). Sobre o tema, Ricardo Alves dirá que, apesar de ser “um bocadinho difícil”, o humor é necessário: “Baixa a guarda, o público ri, fica relaxado, depois leva uma bofetada e fica a pensar nas coisas.”
“Falar do presente” é outra característica da companhia. Daí que os atores estejam artilhados de desinfetante, que usam desenfreadamente. A ideia de fazer a peça surgiu antes da pandemia e foi de Nuno Cardoso, diretor artístico do TNSJ, mas o texto teve de ser repensado face aos tempos atuais. “Se não podes ignorar uma coisa [a pandemia], assume-a”, diz Ricardo Alves.

O Burguês Fidalgo > Teatro Carlos Alberto > R. das Oliveiras 43, Porto > T. 22 340 1900 > 6-23 ago, qua, sáb 19h, qui-sex 21h, dom 16h > €10