Dono de um dos mais fascinantes percursos no cinema português contemporâneo, João Viana persegue o seu périplo africano para fazer um filme moçambicano, no sentido mais digno e profundo da ideia. A Viana pouco lhe interessa a admiração pelas luxuriantes paisagens, nem sequer uma procura pós-colonial do rastilho da ocupação europeia. Ele é, por excelência, o contador de histórias. E, como se sabe, Moçambique (África, em geral) é terreno fértil para os contadores de histórias.
Não é de estranhar, pois, que João Viana situe a sua narrativa num cenário inesperado, o Hospital Psiquiátrico de Infulene. Está subjacente a ideia de filmar a loucura, colocando-se nos olhos de uma mulher vítima de um violento trauma (o assassínio bárbaro do seu filho). Essa tentativa de filmar a loucura funde-se, de forma natural e rica, com o misticismo moçambicano, terra de espíritos e de crenças no sobrenatural. Assim, há um plano onírico ou holístico que abre espaço a um vasto campo metafórico, como numa espécie de David Lynch africano, em que a narrativa se intui através de uma descodificação empírica.
Paralelamente, há a estética primorosa a que João Viana desde sempre nos habituou. A câmara tendencialmente fixa, com uma certa tendência para a simetria; uma fotografia a preto-e-branco, feita de enquadramentos perfeitos; um cuidado rigoroso de luz e de som, com as cenas a funcionarem como quadros fixos e quase fechados que se agrupam. Também aqui não há esse vislumbre paisagístico, apenas a interioridade das personagens.
Tal como acontecera em A Batalha de Tabatô, João Viana construiu, dentro do mesmo projeto, uma longa (Our Madness) e uma curta-metragem (Madness). Ambas estrearam-se no Festival de Berlim e têm tido um notável percurso por outros festivais. É a longa que agora se estreia nas salas portuguesas.
Our Madness > De João Viana, com Ernania Rainha, Emerson Sanjane, Francisco Muxanga > 88 minutos