Teria sido interessante ver a passagem do tempo nas personagens, interpretadas pelos atores, 26 anos mais velhos. Foram João Grosso e Rogério Samora quem, em 1992, interpretou Medeia é Bom Rapaz, dirigidos por Fernanda Lapa, no extinto Teatro do Século, ao Bairro Alto, espetáculo que valeu à encenadora e atriz o Prémio da Crítica. A partir desta quinta-feira, 6, no Espaço Escola de Mulheres, serve-se, de novo, essa história, com os atores Ruy Malheiro e André Leitão, que têm um hiato de duas gerações entre eles. O que o texto do espanhol Luis Riaza tem de mais cativante é precisamente a forma como a multiplicidade de personagens é apresentada em palco, dando visibilidade ao facto de qualquer um poder encaixar-se num mesmo papel, independentemente de credo, raça, género ou idade.
Em palco, os dois atores fazem de mulheres e fazem de homens, e adensam a trama à volta de uma senhora chamada Medeia e da sua criada, a Ama. Tal como na mitologia grega, agora transposta para os tempos modernos, há conspirações, compadrios, traições, jogos de poder. “Há desejo, há sexo, há crime”, diz Fernanda Lapa. “Tem que ver um bocado com As Criadas, do [Jean] Genet.” A ideia de transgressão é muito sedutora e, à semelhança das criadas Solange e Claire, também em Medeia é um Bom Rapaz as personagens se colocam na posição de dominador e dominado, sedutor e seduzido, agressor e agredido – como num jogo de espelhos. E há também Jasão, a figura ausente em função da qual as energias giram. “O Jasão pode ser tudo, nunca é consumado”, continua Fernanda Lapa. “É consumado no desejo, pelo desejo; é tudo uma construção.” À semelhança de Fellini, em O Navio, quando a câmara desce e dá a ver a estrutura cénica que suporta o barco, também aqui a ideia de construção é dada a ver quando uma personagem refere, por exemplo, que a outra entrou na parte errada do texto.
Medeia é Bom Rapaz > Espaço Escola de Mulheres > Clube Estefânia, R. Alexandre Braga, 24 A, Lisboa > T. 91 503 9566 > 6-30 set, qui-dom 22h > €6 a €12