A figura longilínea de uma mulher-odalisca de pele translúcida, adornada apenas com um chapéu-touca e sapatos vermelhos, entretida em contemplação narcísica perante o espelho de mão, foi obra encomendada para um vestiário de senhoras de um famoso estabelecimento noturno lisboeta, do século passado. Por estes dias, Nu (Pintura para o Bristol Club) – uma das várias pinturas de cariz erotizante criadas por Almada Negreiros – está temporariamente instalada no Museu de Tavira, integrada nas 55 pinturas e desenhos (maioritariamente pertencentes ao acervo da Coleção Moderna do Museu Calouste Gulbenkian), escolhidos pela curadora Mariana Pinto dos Santos, para esta exposição centrada na representação do corpo feminino pela mão do mestre modernista.
Estas mulheres pintadas por Almada Negreiros revelam as revoluções de costumes e as contradições da época. Há as silhuetas elegantes das figuras sentadas à mesa dos cafés, fumadoras, desafiantes e intelectuais, bem como os traços das raparigas emancipadas, de irreverentes cabelos curtos – ou ainda as acrobatas angulosas, as dançarinas vertiginosas e as desportistas confiantes. Corpos que ensaiam uma libertação, à época transgressora, como os das duas Banhistas, sentadas na praia: a pintura, feita para o café A Brasileira, põe em primeiro plano os corpos femininos, em fatos de banho reveladores, exemplos de uma autonomia inexistente na sociedade de então. Mas Mulheres Modernas… também contempla pinturas dedicadas às representantes do povo, ou ainda os retratos da pintora Sarah Affonso, companheira de Almada Negreiros. A exposição apresenta, igualmente, uma vertente documental, constituída por desenhos, excertos e artigos, publicados pelo artista nos jornais e revistas da época. Um bom reencontro.
Mulheres Modernas na Obra de José de Almada Negreiros > Museu Municipal de Tavira > Calçada da Galeria, Tavira > T. 281 320 500 > até 14 out, ter-sáb 10h-12h/14h-17h30 > €3