Longe do exotismo quase folclórico dos hilariantes filmes de Emir Kusturica, A Ciambra entra a fundo numa comunidade cigana do Sul de Itália, com ganas de reinventar o neorrealismo. Fica de fora o discurso do politicamente correto e das realidades dissimuladas, para contar uma história pujante e comovente, de uma humanidade transversal e, por vezes, extremada. O filme, vencedor dos prémios para o melhor realizador em Cannes e para o melhor filme no LEFFEST (Lisbon & Sintra Film Festival), revela uma forma íntima de fazer cinema.
Jonas Carpignano conheceu a comunidade cigana de Ciambra, no Sul de Itália, quando, durante a rodagem de Mediterrânea, a sua primeira longa-metragem, o seu carro, cheio de material de filmagem, foi roubado. Soube logo que haveria de o encontrar naquela aldeia. E assim se cruzou com a família Amato e, desde logo, ficou fascinado.
A Ciambra é feita por não atores. Os membros da comunidade, em particular os Amato, fazem de si próprios, numa ficção, construída em conjunto, que dá um lado humano sem esconder os limites morais do meio. Dá-nos um pedaço de realidade com toda a sua riqueza e complexidade. Propondo, por exemplo, esta ideia: a lealdade a uns pode implicar a traição a outros. Ou como exprime tão bem o avô, numa cena perto do final: “Somos nós contra o mundo.”
O olho do furacão é Pio, um jovem analfabeto de 14 anos que tem pressa em crescer. A Ciambra é, pois, em grande parte, um filme sobre o crescimento. Sobre esta idade intermédia, metade criança metade adulto, em que há urgência em ganhar estatuto, forçando situações e rituais. Tudo isto no microcosmos social que é aquela comunidade cigana, que funciona nas franjas da sociedade, com regras de moral e ética próprias e muitas vezes desviantes, mas que, contudo, não deixam de ser regras.
Carpignano, com um olhar sempre muito incisivo e intimista, traz para A Ciambra resquícios do seu filme anterior, cruzando o ambiente do bairro com o dos refugiados africanos. Uma convivência que chega a ser ternurenta, ficando claro que os verdadeiros maus das fita são os “italianos” – a pequena máfia local que coloca todos à mercê. A Ciambra é um fascinante trabalho de ficção do real, por um realizador que desenvolveu uma linguagem própria e politicamente perspicaz.
Cerca de uma dezena de membros da família Amato participam neste filme de Jonas Carpignano, onde até o pai do realizador tem um pequeno papel. Antes de fazer a longa, o realizador produziu uma curta-metragem com o mesmo nome. Martin Scorsese interessou-se pela história e predispôs-se a produzir o filme.
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A Ciambra > De Jonas Carpignano, com Pio Amato, Koudous Seihon, Damiano Amato > 118 min