Nada de novo. As notícias que recebemos em catadupa não nos deixam adormecer a consciência da fatal premissa: o medo é o ambiente perfeito para os poderes absolutistas se instituírem. Em Ensaio sobre a Lucidez, Saramago falava-nos de cidadãos que decidiam não votar e eram por isso castigados pelo Governo, aprisionados na própria casa. Em Estado de Sítio, peça em três atos, escrita por Albert Camus em 1948, é mesmo a doença chamada “peste” que chega à cidade em que um tirano declara o estado de sítio para melhor usurpar do poder. Setenta anos depois, o encenador Emmanuel Demarcy-Mota sentiu necessidade de pegar no texto para, de alguma forma, lidar com os atentados que aconteceram em Paris, em novembro de 2015.
“Boa noite. Queres dançar comigo?” Estado de Sítio começa com um baile e um dos atores, de microfone na mão, convida uma pessoa do público a juntar-se à dança que acontece no palco. De repente, uma sirene toca. As personagens ficam em alerta, assustadas. No fundo do palco, é projetada uma sequência de mensagens trocadas no Messenger, na qual pode ler-se: “O fim do mundo!”
“Esta peça apresenta-se como uma grande alegoria, da qual a peste é o sujeito. E, como acontece muitas vezes no teatro no século de ouro espanhol, que é aqui uma fonte de inspiração para Camus, esta praga é consubstanciada por uma personagem real acompanhada por uma secretária que não é senão a própria morte”, refere Demarcy-Mota na nota de intenções do espetáculo. “Hoje, claro, podemos pensar nos diferentes climas de medo que percorrem o globo, a ascensão dos extremismos na Europa e no mundo; podemos pensar nas tentações tanto de rejeitar o outro como de replicar a nós mesmos.”
Sobre a peça, Camus chegou a dizer: “Perceber-se-á bem que se trata de uma peça de cólera, mas sobre essa questão terei uma coisa a acrescentar: cheguei a pensar chamar o espetáculo O Amor de Viver.”
Estado de Sítio > São Luiz Teatro Municipal > R. António Maria Cardoso, 38, Lisboa > T. 21 325 7640 > 14-15 jul, sáb 21h, dom 17h30 > €12 a €15