Em palco está uma estrutura circular cor de rosa, suspensa por cabos de aço, no interior da qual existem apoios para o ator e a atriz poderem estar de forma imóvel. A proposta cenográfica é a mimese perfeita do que o texto de Cinderela, a nova criação de Lígia Soares, tem para nos dizer, a partir desta terça, 19, na sala Mário Viegas, no teatro São Luiz. Crista Alfaiate e Cláudio da Silva começam por esticar os cabos, na qualidade de sujeitos criadores de tensões, e depois sentam-se, abraçados, imóveis – até ao fim do espetáculo. O diálogo começa com frases como “meu amor, meu amor”, “vieste dizer que me amas e que vais ficar comigo?”, “dizer que te amo, mas não gosto de ti”.
A história é a de duas pessoas que se conhecem demasiado bem, e isso constitui a premissa para extrapolar acerca de questões sociais e até políticas. “Esta relação de classe média serve de plataforma”, refere Lígia Soares. “De que forma é que, através do discurso, as distâncias são ainda exercidas? Nesta peça, o limite da ação deles é o seu próprio discurso.” Ao contrário dos contos de fadas, em que a ação conduz a uma transformação, a uma mudança, aqui não se sai do mesmo sítio. “Pratica-se a endurance da imobilidade”, diz Cláudio da Silva. Não é por acaso que aquele momento de palco se encontra em suspenso, encenado, iluminado. “E o círculo indicia uma ideia de perfeição, que é insustentável”, complementa Crista Alfaiate. “O pessimismo que está presente na peça tem também que ver com uma certa abertura para se questionar coisas”, diz Lígia Soares. “A possibilidade de separação é também um exercício de liberdade.”
Cinderela > São Luiz Teatro Municipal > R. António Maria Cardoso, 38, Lisboa > T. 21 325 76401 > 19-24 jun, ter-sáb 21h, dom 17h30 > €12