
Este pesado retrato da Síria foi, na verdade, rodado em Beirute (Líbano). É realizado por um belga e conta com uma atriz israelita no principal papel. A sua história é tão íntima como universal, comum a muitos cenários de guerra
Divulgacao
Nas guerras contabilizam-se os mortos, os feridos, os desalojados, os que se viram obrigados a sair do seu país em busca de refúgio. Mas vítimas são quase todos. Em Na Síria, do belga Philippe van Leeuw, mostra-se a guerra mais íntima, secreta, do lado de dentro, longe dos olhares do mundo. Entre paredes, numa cidade sitiada. Tanto faz se as bombas vêm da Rússia, dos Estados Unidos da América ou do próprio regime sírio, numa terra sem lei os cidadãos, as famílias, os civis não podem escapar ao sofrimento.
Van Leeuw toma perante a guerra uma perspetiva semelhante à de Teresa Villaverde perante a crise, em Colo. Em vez de procurar a grande história, incendiar-nos com cenas de combate, dos jovens no campo de batalha, das atrocidades, do sangue, dos hospitais, dos infelizes apanhados entre fogo cruzado, vai ao particular, à família-modelo, ocidentalizada, com a qual nos identificamos. Sírios somos todos nós. É uma questão de nascer no lado errado do mundo.
Encontramos Oum, a matriarca da família, que tenta por tudo proteger os seus: os filhos, o genro, a empregada, a vizinha com o seu filho bebé que lhe pede abrigo. A casa está improvisada para a calamidade. Põem-se trancas nas portas, vive-se distante das janelas. E ao mínimo sinal de perigo, barricam-se na cozinha. Dali ninguém sai, a não ser de noite, e só em caso de necessidade extrema.
É o avô que diz: “Não há nada que nos interesse lá fora.” Tudo se passa no espaço interior do apartamento, numa claustrofobia temerosa. Mas nem mesmo ali estão a salvo. Aos poucos, ao longo do filme, torna-se cada vez mais clara a fragilidade daquelas paredes. Qualquer intempérie pode derrubá-las. O perigo mais iminente não são os bombardeamentos, antes os pequenos bandos armados, abutres que pairam sobre as cidades vazias, dispostos a pilhar, violar, matar, tirando partido do vazio de autoridade, sem nenhuma outra causa senão o proveito próprio.
É nesta Síria, de insuportável tensão, onde não há saída nem sequer para o Ocidente, que se passa este filme. Obra extraordinária, galardoada com o Prémio do Público no Festival de Berlim, o segundo filme realizado pelo experiente diretor de fotografia belga, depois de ter abordado o Ruanda, em O Dia em que Deus Partiu de Viagem (2009).
Veja o trailer
Na Síria > de Philippe van Leeuw, com Hiam Abbass, Diamand Bou Abboud, Juliette Navis, Mohsen Abbas, 85 min