Cinema de urgência à escala de Hollywood. Perante a proliferação de fake news e o inenarrável ataque aos media de Donald Trump, Steven Spielberg sentiu a necessidade de reafirmar a importância da liberdade de imprensa como garante da democracia e o papel dos meios de comunicação no escrutínio e vigilância das ações do Estado. Para isso serviu-se da História, recordando um dos mais gloriosos episódios da imprensa mundial: a crise dos papéis do Pentágono que precipitou o final da guerra do Vietname e precedeu o caso Watergate. Na altura, o Washington Post e o New York Times tiveram acesso a documentos confidenciais do Estado americano que revelavam que sucessivos presidentes sabiam que a guerra estava perdida e que, mesmo assim, insistiram no envio de soldados para a frente de combate. Esta denúncia acabou por ser legitimada legalmente pelo Tribunal Supremo que permitiu que o Post continuasse a publicar esses documentos. Foi o princípio da queda de Richard Nixon, o único Presidente americano a renunciar ao cargo (fê-lo em 1974, após o caso Watergate, para evitar a destituição, que seria mais humilhante). A imprensa fez derrubar um Presidente que odiava a imprensa − tal como Donald Trump odeia. O povo ficou do lado da verdade. E os jornais, gloriosamente, como se diz no filme, foram o primeiro rascunho da História.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mas a História dá-nos sempre lições. E é óbvio que este é um filme político, de intervenção, que se serve do passado para nos alertar sobre o presente. Esse é o principal e verdadeiro mérito de The Post, mais do que dar um contributo decisivo para a História da Sétima Arte. Contudo, nem por isso é um filme de produção descuidada. É feito um minucioso retrato de época, que nos leva a redações de outrora, com uma dose de fumo e adrenalina que entretanto se diluiu. Está cheio de traços de Spielberg, incluindo uma certa tendência explicativa e de cinema espetáculo. Cinematograficamente, não entra nas obras maiores do realizador mas não deixa de ter elementos importantes. A começar por uma dupla de atores magnífica: um Tom Hanks difícil de reconhecer nas primeiras cenas (que trabalhou as expressões e a voz de forma surpreendente) e Meryl Streep, constantemente a reinventar-se, com uma atuação cheia de brilhantes subtilezas.
The Post > de Steven Spielberg, com Meryl Steep, Tom Hanks, Bob Odenkirk e Carrie Coon > 116 minutos