Há uma figura, toda feita em papel, que nos recebe à chegada: uma espécie de monstro diabólico, colorido e simpático, mais festivo do que assustador. À escultura, Catarina Branco chamou-lhe Dádiva. É a sua peça mais recente, exposta na mostra que leva o seu nome, patente no Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas, em São Miguel, nos Açores, onde a artista plástica esteve em residência. Há anos que a açoriana anda aos papéis, criando quadros, esculturas e outras obras de arte feitas exclusivamente desse material, com cortes e recortes. Em Catarina Branco, reúne alguns dos seus trabalhos, numa retrospetiva que recua a 2009 e chega à atualidade.
São dez, as peças que estão no Arquipélago. A maioria foi já apresentada noutras mostras e quase todas pertencem a colecionadores, mantendo-se, por isso, escondidas dos olhares do público. Agora, todas juntas, confrontam-se no mesmo espaço e refletem sobre o percurso da artista, dando-nos um olhar global sobre a evolução da sua obra. “Mais do que uma mostra do meu trabalho, esta exposição acaba por ser uma mostra do meu processo de trabalho”, nota Catarina Branco.
“Nos primeiros trabalhos a tridimensionalidade começa a despontar de forma ainda tímida”, afirma a artista, apontando para as peças expostas na parede, pertencentes à série Fenais de Luz. Mais à frente, em obras posteriores, o recorte há de ser mais acentuado e o trabalho de cor mais evidente. Não é difícil de perceber que a densidade e o volume têm crescido cada vez mais ao longo do seu percurso. Com cortes e recortes que se repetem ou que se vão tornando mais sofisticados, ali se evoca a paisagem açoriana, reinterpretada, em camadas de vegetações de diferentes tonalidades e também os tapetes de flores feitos nas Festas do Santo Cristo. “Há um lado vegetal que gosto de ter nas minhas peças. Agrada-me transportar a paisagem para um contexto diferente”, sublinha Catarina Branco, que nunca faz desenhos prévios antes de se lançar aos papéis, de tesoura na mão. “Está tudo na minha cabeça”, garante, reconhecendo-se compulsiva e minuciosa quando está a criar.
“Quando olho para a paisagem açoriana, não vejo só um verde, vejo muitos verdes diferentes, numa geografia que, para mim, se vai modificando. Vejo mais cores do que as que existem na realidade e isso interessa-me. Gosto de brincar com a realidade e não ser tão literal”, diz. Nos verdes, nos pretos ou na mistura de cores, são sempre muitas as tonalidades que usa, ajudando à tridimensionalidade de peças que, por vezes, parecem querer saltar da parede. Capacho é a única peça de chão, mais geométrica, feita de papel entrelaçado, com as técnicas antigas dos tapetes açorianos. “A ideia é que voe e se expanda para outros lados”, comenta Catarina.
Na exposição do Arquipélago estão, ainda, uma estatueta africana e um vaso, cedidos pelo Museu Carlos Machado. “Quis estabelecer uma relação com outras culturas, tal como costumo fazer nas minhas obras.” Basta voltar a olhar para Dádiva, a escultura que nos recebe à entrada, para o perceber. Catarina Branco descreve-a: “Fiz uma figura híbrida, que podia ser animal, vegetal ou humana até. É uma peça que se transforma de cada vez que a olhamos. Quando estou a trabalhar, também eu me transformo. O papel, para mim, é um ser vivo, é elástico, molda-se como se fosse vivo. Dádiva é uma síntese de todo o meu processo de trabalho. Nesta peça, trabalhei a cor, as formas, o espaço, a paisagem exterior e interior, o imaginário, a maneira como vejo as coisas e as reinterpreto. Dei-lhe este nome por tudo isto e porque, para mim, esta exposição e esta residência, foi ‘um dar e receber’.”
Também no Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas está, até 30 de julho, Tempo Líquido, uma exposição coletiva de vídeo-arte que reúne 14 obras de artistas portugueses e estrangeiros, criadas nos anos 80, 90 e 2000. Nuno Cera, Rui Toscano, João Onofre, André Romão, Bruce Nauman, Doug Aitken, Alicia Framis, Ignacio Uriarte e Douglas Gordon são alguns dos que ali mostram vídeos.
Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas > R. Adolfo Coutinho de Medeiros, Ribeira Grande, São Miguel, Açores > T. 296 470 130 > até 23 jul, ter-dom 10h-18h