À entrada da exposição há um texto
“O texto é uma forma de aproximar as pessoas das esculturas e de arrumar o meu coração. No texto tentei captar um sonho que tem durado os últimos três anos e que agora se materializa numa exposição com duas salas, uma iluminada e uma escura.”
Entra-se na sala iluminada e, ao fundo, numa porta do lado esquerdo, há uma entrada para a sala escura
“Não há ordem para se ver a exposição. Poderia ter escolhido um percurso, mas não quis que parecesse uma coisa iniciática ou programática. Quis que as pessoas escolhessem e tivessem liberdade para alternar entre os dois espaços, entre a luz e a escuridão. Luz e escuridão como o início e o fim.”
A série É assim que começa… está às escuras. Incêndio está completamente na luz e é uma espécie de floresta
“São sementes que começam a crescer até serem, finalmente, árvores. É um percurso entre as sementes e as árvores.”
“É uma exposição sobre o fim, mas sobre o início também. Um início que se transforma num fim e um fim num início. É um ciclo entre vida e morte. E neste ciclo há despedidas e encontros. Todos temos de passar por despedidas, seja de pessoas, de lugares, de situações. Para esta espécie de despedida, para esta exposição, eu formalizei-a como uma catedral, uma catedral incendiada. É este o espaço que eu procuro e que construo na galeria.”
Um processo pesado e a surpresa de um resultado leve
“Estive a condensar em três anos um processo pesadíssimo, que eu pensei controlar, e acabei por ser surpreendido pelo resultado. E isso é bom. Houve uma necessidade enorme de organizar o coração. Mas essa necessidade, em termos de trabalho, tinha um método que eu conheço e que estava convencido de que o estava a controlar. Mas o que aconteceu foi que as esculturas, como sempre acontece, ganharam vida própria. E houve uma transformação. As esculturas são surpreendentemente leves. Mas toda a arte é transformação. Houve transformação de ideia numa forma. De uma intenção num resultado que se tornou muito autónomo. O que era pesado tornou-se leve. E, nesse sentido, fiquei num estado curioso de surpresa, de incompreensão. E ainda bem, porque quando não percebo o que faço é porque estou a fazer bem.”
O fim
“O meu trabalho acontece em séries de esculturas que vou desenvolvendo e variando até ser impossível variar mais. As séries podem durar anos. Essas séries interpenetram-se. Não são cortes abruptos, há elementos que passam de um grupo de trabalho para outro. Estas séries correspondem a momentos da vida e também têm o seu fim. Há alturas na vida em que o trabalho não avança mais e temos de encontrar outra porta. E há três anos estava a chegar a um ponto de trabalho que achava que não podia mais seguir naquela direção. E passei bastantes meses a tentar perceber qual seria a direção.”
“Aquele caminho deixou de ser possível. Aquele caminho, na direção que eu estava, acabou. Eu estava a olhar mas já não estava lá nada. E isso acontece quando se dá aquilo a que as pessoas chamam de uma crise artística.”
“Tem uma angústia, mas também tem uma expetativa de saberes, se vais conseguir olhar numa outra direção e ver alguma coisa. Porque também pode acontecer não veres nada e ficares no vazio. Por isso é que a vida dos artistas sérios é difícil. Como não querem dar um passo sem acreditarem no que estão a fazer, podem ser obrigados a parar. O saxofonista Sonny Rollins teve uns anos parado, em que desapareceu. Esteve no metro e debaixo das pontes. Depois até fez um álbum, The Bridge.”
Ouvir o vento e encontrar um novo caminho
“Eu costumo ouvir o vento. E, em agosto de 2014, finalmente ouvi o vento, na Irlanda, numa tarde junto ao mar. Ele explicou-me exatamente o que tinha de fazer. Foi um fim de tarde gelado, com muito frio e eu fui passear junto ao mar, nas rochas, nas algas. E o vento disse-me aquilo que vão ver na exposição.”
Os desenhos de um lado e o coração do outro. A tremenda espera
“Escrevi tudo e comecei a trabalhar afincadamente sobre as indicações do vento. Comecei a fazer os desenhos. E passaram-se dois anos e meio até estar em condições para passar dos desenhos para a realização das esculturas. Foi um tempo estranho. Eu já tinha os desenhos e já sabia o que queria fazer, mas ainda não tinha o coração nesse lugar. Havia uma barreira entre os desenhos e as esculturas e o meu coração. Então foi muito doloroso porque tive de esperar muito tempo até conseguir chegar ao lugar onde estavam as esculturas. Elas estavam no lugar certo, eu é que não. A exposição foi adiada por causa disso.”
Chegou o momento, finalmente
“Os artistas pensam de manhã à noite no que estão a fazer e acordam muitas vezes a meio da noite a pensar o que é preciso fazer. Mas há um momento em que a pessoa acorda e sente que já lá está, que já chegou. No fundo tem a ver com o acordar. A arte tem a ver com abrir os olhos. Temos que dormir, temos que sonhar, mas só podemos fazer arte com os olhos abertos para olhar o mundo.”
A técnica
“Há imensas dificuldades de técnica, de trabalho, de tempo, de dinheiro. Mas surpreendentemente acabou por ser muitíssimo mais simples (já estava desenhado pelo vento) do que a espera. Nesta exposição custou-me muito mais a espera para chegar ao sítio onde precisava de chegar, do que o trabalho em si. Depois da espera eu já sabia tudo o que tinha de saber. Tinha feito os desenhos certos.”
Os artistas têm de estar disponíveis para o mundo
“Se não esperarmos pelas coisas que fazem sentido, arriscamo-nos a continuar a fazer coisas sem sentido e a pedalar no vazio. E isso é perigosíssimo, pode acabar mal. Eu sou sempre bastante cético em relação a mim próprio e se sinto, como senti há três anos, que estava a chegar ao fim da linha, tinha mesmo que procurar, com todo o afinco, outra continuação, outra linha. Há aquela frase muito célebre do Picasso ‘Eu não procuro, encontro’, que é absolutamente verdade. Não é a procurar que se encontra, é encontrando que se encontra. Mas esse encontrar de que o Picasso fala não tem um timming, é uma coisa que tem de vir ter connosco. Mas pode ser hoje, amanhã, daqui a cinco minutos ou daqui a cinco anos. E isso observa-se nos trabalhos dos artistas que vão passando de uma coisa à outra, com momentos mortos, por vezes. E nem sempre fazem coisas boas. É preciso ter os ouvidos sempre disponíveis. É preciso estar disponível para a vida, para o mundo, para o vento.”
A exposição será um ranger de porta ou uma entrada num quarto
“O que está na exposição não é o que vivi, o que está ali é o que o vento me disse para fazer. Quando se está num corredor e a porta está fechada e a pessoa a abre, pode acontecer entrar num quarto e ver um mundo novo ou pode abrir a porta, não ver nada mas só o simples ranger da porta já ser um caminho. Se pensarmos no John Cage, por exemplo, passa muito por aí. Ele abriu um caminho para a música, mas o que fez foi ampliar o ranger da porta a abrir. E não mostra nada do que está atrás da porta. E depois houve outros músicos que já tentaram entrar no quarto e mostraram o que está lá dentro. Mas às vezes, só o ranger da porta já é uma obra. No caso da minha exposição, vamos ver o que acontece… Se é só o ranger da porta ou se eu entrei nalgum quarto… Neste momento não compreendo.”
Às cegas
“Eu compreendo muito pouco do meu trabalho e sobretudo quando estou muito próximo dele. Talvez daqui a uns anos compreenda mais. Estou às cegas. Depois o que acontece é que, passados uns anos – e por isso é que me interessam tanto os meus livros muito organizados, com as esculturas todas datadas –, olhando para trás, consigo compreender um pouco melhor o que fiz. Vou precisar de uns anos para digerir esta exposição. Assim Deus mo permita.”