Foi quando se inteirava das obras pertencentes à coleção de Serralves que João Ribas, o diretor-adjunto e curador do Museu de Arte Contemporânea da fundação, “tropeçou” em trabalhos de Silvestre Pestana. A coleção Pautas (a partir de 1975), com provas fotográficas, vinil autocolante e letras de decalque, foi um desses trabalhos. Foi tal a surpresa e encantamento pela obra do artista e poeta madeirense, com 67 anos, licenciado em artes gráficas e design pela Escola Superior de Belas Artes do Porto, onde foi professor, que João Ribas confessa ter entrado “num mundo de fascínio e pormenor” que, ele próprio, ainda está a descortinar. “A exposição foi pensada numa relação de lógica interior do trabalho do artista”, conta o diretor-adjunto do museu e curador da exposição que resultou de dois anos de pesquisa pelas obras dispersas do artista e poeta.
A mostra chama-se Tecnoforma – que não restem dúvidas: o título é uma junção inocente de tecnologia com forma – e reúne mais de uma centena de obras de “uma das figuras mais radicais e menos conhecidas da arte contemporânea portuguesa”. E Serralves pretende mostrar ao público “a relação do trabalho de Silvestre Pestana com a questão da biométrica e das tecnologias informáticas”. O triângulo “tecnologia, guerra e expressão do artista” resume esta mostra cujos primeiros trabalhos, de 1968, começam com desenhos a tinta-da-china sobre papel e algumas das suas primeiras obras de resistência à censura que o levaram a exilar-se na Suécia entre 1969 e 1974. Dessa época são visíveis, por exemplo, os seus projetos de intervenção em jardins de Estocolmo. Regressado a Portugal após a Revolução de 1974, Silvestre Pestana desenvolveu “uma gramática visual única que concebe o corpo humano como um circuito social, ideológico e tecnológico” através do uso da luz, linguagem e formas visuais.
Fotografias, colagens, performances, “usam o seu corpo para ativar códigos linguísticos e não-linguísticos, ao mesmo tempo que se expande para a poesia numa prática espacial e coreográfica”. O artista é, aliás, o autor dos primeiros vídeos de arte realizados em Portugal e um dos promotores desta forma de arte. Uma matéria que, como nos chegou a contar, o leva a questionar: “Se a video art devia seguir o modelo do cinema ou se a video art devia seguir uma descoberta dele próprio?” Os vídeos de Silvestre Pestana “são crus, sem montagens” como o caso de Light Pen (1984), uma performance com a luz como objeto poético em que o artista se apropriou de uma praça em construção em Vila Nova de Cerveira.
Silvestre Pestana sempre “usou dispositivos informáticos nas suas obras e na sua poesia” estabelecendo “a relação entre signos linguísticos e não-linguísticos e o modo como as novas tecnologias transformaram os nossos corpos e afetaram as relações sociais”. “Sou um poeta que nunca fui seduzido pelo livro”, revela Silvestre Pestana, sem esconder o sentido de humor. “É uma oportunidade surpreendente. Não estava nos meus planos reunir obras com esta escala”, revela o artista que, além de uma série de Virobis Robotic Mop (uma espécie de aspiradores robot que vão andando pela salas de exposições) está a preparar uma performance com quatro drones, os Zangões, a estrear durante o Serralves em Festa (a 4 jun).
Museu de Arte Contemporânea de Serralves > R. D. João de Castro, 210, Porto > T. 22 615 6500 > 26 mai-25 set, ter-sex 10h-19h, sáb-dom 10h-20h > €5 a €10 > visitas orientadas 12 jun (12h) 7 jul (18h30), 10 jul (12h) 16 jul (17h) 10 set (17h)