Stéphane Brizé reduziu o seu realismo a uma dimensão de tal forma microscópica que se torna comovente e universal. A Lei do Mercado, o seu mais recente filme, é um tratado de humanidade e deceção social na sociedade europeia contemporânea. Até custar a crer que tudo aconteça na França que produziu o Maio de 68. Através do retrato de Thierry, faz a denúncia da fragilidade e precariedade das políticas sociais francesas (tidas como das melhores do mundo) em prol de uma lógica capitalista cega, esmagadora para a classe trabalhadora. Nesta sua perspetiva social, esquerdista e reivindicativa, lembra Laurent Cantet e os seus filmes em que recuperou as questões laborais e sindicais dos operários – obras como Recursos Humanos ou O Emprego do Tempo. Só que cinematográfica e narrativamente Brizé toma uma postura mais radical, na aproximação da linguagem do filme a um documentário, detalhando mundos de forma pormenorizada. Mantém sempre essa perspetiva didática e documental de desvendar universos secretos. Seja o funcionamento dos centros de desemprego, e as mal empregues formações profissionais, seja o arrepiante ambiente pidesco de controlo de uma grande superfície comercial, seja o dia a dia de uns pais com um filho adolescente com paralisia cerebral. Tudo isto se encaminha, impiedosamente, para um cerco de humilhação, incompatível com a verdadeira liberdade.
Ao exemplo do que acontece com a Bélgica dos irmãos Dardenne, e na Suíça de Ursula Meyer, contam-se histórias de exploração e de miséria em países ditos ricos e civilizados. A dissecação dos momentos, com uma estética crua e realista transformam-no num filme particularmente tocante e revoltante. Mas o que eleva A Lei do Mercado a um outro patamar é a extraordinária interpretação de Vincent Lindon. O ator, herói independente do IndieLisboa deste ano, está presente na quase totalidade das cenas e aguenta o foco da câmara com uma naturalidade exemplar, contracenando muitas vezes com não atores. A realidade como ela é ou um cinema feito de pedaços de vida, que documenta a derrota da classe operária quase meio século depois do Maio de 68.
de Stéphane Brizé, com Vincent Lindon, Karine de Mirbeck, Matthieu Schaller > 93 min