Um Romeu e uma Julieta que gritam um com outro violentamente por não chegarem a acordo se o pássaro que ouvem lá fora é uma cotovia ou um rouxinol. E o que interessará isso no meio de tanta raiva e gritaria? “Morre!”, diz-lhe ela. “Morre tu também e acaba-se a discussão!”, responde-lhe ele. As mãos dos bailarinos em garra, os corpos em tensão, o amor e o ódio como parte de uma mesma coisa. “Não me interessa contar a história de Romeu e Julieta, mas falar do que a história me diz, daquilo que sinto, questioná-la. Não me interessa o que aconteceu, mas sim como ali se chegou”, explica o coreógrafo Rui Horta que aceitou o desafio da Companhia Nacional de Bailado e do Teatro Nacional D. Maria II (onde se apresentará em julho durante o Festival Shakespeare) para pôr em cena Romeu e Julieta, juntando dança, teatro e música. Ao palco chamou os bailarinos, os atores Carla Galvão e Pedro Gil e ainda Bruno Pernadas para criar a banda sonora e a interpretar ao vivo numa pequena orquestra de sopros, cordas, bateria e piano. O resultado é uma desconstrução de Romeu e Julieta, que Rui Horta transforma em algo a preto (as roupas dos bailarinos, a “ilha” da orquestra) e branco (o cenário) mas que, na verdade, tem muito mais tonalidades do que o original. “Não acho que esta seja uma história de amor. Para mim, é de funerais e de ódio, com imensa testosterona”, defende o coreógrafo, acrescentando que dos clássicos aos dias de hoje a diferença não é assim tanta. “Quando há problemas conjugais resolvem-se à bofetada. Daí ao crime passional é um salto, mata-se por amor – que é exatamente o que acontece em Romeu e Julieta. É um equívoco com raízes em algo romântico mas que, na verdade, é esquizofrénico”, nota. Não há por isso nesta coreografia Montéquios e Capuletos, nem sequer dois clãs rivais – aqui rapidamente os grupos se transformam num só. “A tensão é entre o indivíduo e a sua liberdade, entre ele e as convenções sociais”, descreve Rui Horta. “O meu Romeu e Julieta é uma viagem ao lado mais negro do branco. Porque não há branco sem negro, nem ponto sem contraponto, esta viagem é também uma viagem ao absurdo”, resume. “A moral da história é que o ódio não é um desvio do amor, mas sim parte mesmo da sua génese.” Sem piedade, desconstruiu os textos de Shakespeare, que o encantam. “Só existe criação com descontinuidade. Se não, estamos a ser redundantes”, acredita. Nunca mais olharemos para Romeu e Julieta da mesma forma, isso é certo – e ainda bem.
Romeu e Julieta > Teatro Camões > Passeio do Neptuno, Parque das Nações, Lisboa > T. 21 892 3470 > 29 abr-15 mai, sex-sáb 21h, dom 16h > €5 a €30