Em 2006, com Rapace, João Nicolau tornou-se o primeiro realizador português a ganhar o prémio principal do Curtas de Vila do Conde. Foi a rampa de lançamento do realizador com várias distinções internacionais, sobretudo pelas suas curtas metragens. Rapace era um filme jovem-adulto fechado na arquitetura urbana de Telheiras. Em John From, a sua segunda longa, João Nicolau regressa à Telheiras onde foi feliz e de onde, na verdade, nunca saiu – é mesmo o seu bairro. E assim, fechando a angular em torno de um horizonte circunscrito, constrói um filme consistente e, ironicamente, universal. O mundo inteiro cabe em Telheiras. Ou Telheiras tem histórias para contar ao mundo.
Curiosamente, a tendência umbilical verificada em outros filmes é aqui bastante atenuada. Já não fica a ideia de “filme de amigos”, em que o próprio se reinventa numa fantasia ou estado de espírito pessoal. Há, claramente, um descentramento de si próprio, e uma deriva na direção de outros mundos interiores. Com o objetivo de refletir sobre os mecanismos da paixão, imerge-se no submundo da adolescência feminina.
John From é construído com a solidez de um edifício antissísmico para que, no fim, seja possível abanar tudo sem que nada se parta. Assim, a primeira camada, os alicerces, é o próprio bairro. Telheiras e a arquitetura urbana, de subúrbio dentro da cidade, com uma linguagem cromática forte, arcadas soalheiras, construções viradas para o espaço exterior. Telheiras é por si só uma personagem, que assegura unidade estilística e fotográfica. Sobre isso começa por retratar a amizade geminal entre duas amigas adolescentes. Uma amizade rica em códigos, segredos, confissões, impenetrável para o mundo exterior. Até que faz chegar o fator externo que desencadeia a paixão – um novo vizinho, homem adulto, pai de uma criança, fotógrafo e explorador. Esta paixão incorrespondível, curiosamente, não afeta a relação de amizade, que tem os princípios sagrados, é antes a amizade que a alimenta e potencia.
Lançadas todas as bases, João Nicolau recusa-se a seguir a história de um ponto de vista realista (e ainda bem) rumo à incorrespondência ou inverosimilhança amorosa, e embarca por um delirante plano fantasioso, onde a realidade e sonho se diluem. E é a partir daí, sob esse pretexto, que o mundo realmente se encurta, e é descoberta uma misteriosa fronteira entre Telheiras e a Nova Caledónia, como se o bairro lisboeta fosse uma atípica ilha do Pacífico.
Ao contrário do que acontecia em A Espada e a Rosa, onde João Nicolau andava à bolina de um devaneio fantasioso, aqui a solidez naturalista inicial torna possível a mudança de registo aceitável e consistente, como quem afirma que, para retratar alguém, é preciso saber também dos seus sonhos. A realidade e a fantasia não são necessariamente planos que se opõem, podem apenas complementar-se.
De João Nicolau, com Júlia Palha, Clara Riedenstein, Filipe Vargas, Leonor Silveira e Adriano Luz > 100 min