O fascínio pela citação de um poema de Teixeira de Pascoaes levou os coreógrafos e diretores Joana von Mayer Trindade e Hugo Calhim Cristóvão a trabalharem sobre as representações que o angélico e o demoníaco apresentam na cultura portuguesa. O Céu é Apenas um Disfarce Azul do Inferno abre esta sexta-feira, 4, a primeira edição do Cumplicidades – Festival Internacional de Dança Contemporânea, em Lisboa, que se prolongará até dia 19 (produzido pela EIRA e com direção artística de Francisco Camacho).
Estreado no ano passado, no Festival Circular, em Vila do Conde, O Céu é Apenas um Disfarce Azul do Inferno é a 6ª parceria entre Joana e Hugo, que fundaram o NuIsIs ZoBoP em 2004. “A performance revela as nuances e as contradições entre os universos da liberdade e da repressão”, descrevem. Na dramaturgia do espetáculo são investigados os sentidos de desejos reprimidos, o caótico, o dilaceramento que leva ao prazer e a relação conflituosa entre dois mundos, muitas vezes presente em obras da literatura portuguesa, como em Luís de Camões, Bocage ou Fernando Pessoa.
“Imaginamos numa senzala, durante a noite, os escravos a dançar. Pensamos na dança da corte e na dança dos escravos. Essas duas formas diferentes de entender a dança. O que faz com que pessoas que estão a trabalhar o dia todo, que nem loucas, se juntem à noite para dançar. A que necessidade isso corresponde?”, explica Hugo Calhim Cristóvão, sublinhando que no espetáculo não se trabalhou a libertação com um sentido místico, mas sim como uma pesquisa sobre o prazer e o movimento de transgressão. O Céu é Apenas um Disfarce Azul do Inferno junta em cena Joana von Mayer Trindade, André Araújo e Xana Novais. A música original do espetáculo é tocada ao vivo pelo baterista Paulo Costa, que pela segunda vez trabalha com os coreógrafos.
No Cumplicidades, Hugo e Joana realizam ainda o workshop Práticas de Libertação, dirigido a estudantes e profissionais das artes (Culturgest, 7-8 mar, seg-ter 15h-19h, €30). “Esta noção de caótico fez a coreografia adquirir várias texturas, várias tipologias de movimento e de intensidade. Parte desta partitura de investigação será trabalhada no workshop. As deslocações, os diferentes andares, a ideia do dueto e do trio, a ideia de luta, a questão da verticalidade e das quedas serão partilhadas com os participantes”, explica Joana Trindade.
Ao pensar na oposição entre uma cultura tradicional, como é o caso da dança da corte, e uma manifestação livre, representada pela dança dos escravos, Joana von Mayer Trindade e Hugo Calhim Cristóvão questionam o que é uma dança libertadora e o que move o desejo pela dança num sentido de reencontro com as identidades, que habita os contextos sociais do passado, mas que também reflete a realidade atual. “Há um lado de nós que nos é cortado com a vida adulta, mas que encontro com o corpo, ao fazer a dança. É um espaço de privilégio poder ir ao encontro disso”, revela a coreógrafa. Depois das apresentações no Festival Cumplicidades, O Céu é Apenas um Disfarce Azul do Inferno segue para Berlim, no dia 1 de abril, chega a Viana do Castelo, no dia 7 desse mês.
O Céu é Apenas um Disfarce Azul do Inferno > De Joana von Mayer Trindade e Hugo Calhim Cristóvão > Espaço Alkantara > Cç. Marquês Abrantes, 99, Lisboa > T. 21 315 2267 > 4-6 mar, sex-sáb 21h30, dom 19h > €5 a €7,50
Depois da edição zero no ano passado, o Cumplicidades – Festival Internacional de Dança Contemporânea regressa a Lisboa com espetáculos de Portugal, Egito, Turquia e Marrocos, workshops, exposições, palestras e conferências.