
Filipe Ferreira
Uma sala com um sofá, uma televisão, um cabide, um candeeiro, uma mesa redonda e quatro cadeiras. A descrição do espaço há de ser confirmada por uma voz off. “Ao fundo da sala, uma porta que dá para um corredor”, continuará. É aqui que tudo se passará, nesta sala de família, onde se cruzam um pai, uma mãe, uma filha e um hóspede estrangeiro. Os atores Pedro Gil e Raquel Castro revezam-se no papel da filha, em cenas e gestos de uma rotina quotidiana de família. “Não queríamos pôr uma criança em palco, nem falar da infância do ponto de vista de uma criança, porque nunca poderemos saber qual é”, explicam os criadores que desafiaram o dramaturgo Miguel Castro Caldas (que faz de hóspede, atravessando a cena várias vezes) para, juntos, construírem um espetáculo a partir da ideia de primeira infância. “Quando se fala de crianças há sempre uma zona pantanosa, estranhíssima”, reforça Castro Caldas. Neste Terreno Selvagem, no recato protegido deste quarto andar, há febres e cereais, pratos, copos e talheres para pôr na mesa, tampas de frascos que teimam em não se abrir, mas também há medos mais ou menos visíveis, como o da separação dos pais ou o da guerra em Paris, ou outros que se escondem, como encomendas, debaixo de cobertores, às quatro da manhã. E há uma voz que nunca se cala, em off, como na nossa cabeça, a comentar tudo isto, a criar empatias e distanciamentos, e a pensar na criança que fomos ou nas crianças que temos. “A inocência de ainda não saber…”, dirá.
Terreno Selvagem > De Pedro Gil e Raquel Castro > Teatro Nacional D. Maria II > Pç. D. Pedro IV, Lisboa > T. 21 325 0800 > até 31 jan, qua 19h30, qui-sáb 21h30, dom 16h30 > €5 a €12