São várias as Angolas neste palco. Serão várias as Angolas na plateia também, no momento em que em frente de Joaquim Horta se sentarem os espetadores. Quando em 2012 o ator e encenador aceitou passar ali um ano a dar formação, tropeçou no livro Mais Um Dia de Vida – Angola 1975, do escritor e jornalista polaco Ryszard Kapuściński, que lá esteve entre o 25 de Abril e a independência. “Também comecei a colecionar histórias e memórias de outras pessoas e apercebi-me que até eu, sem nunca lá ter estado, tinha uma imagem do que era Angola”, conta. Agora, em Mais Um Dia, um espetáculo/performance/documentário (“não sei que nome dar”, confessa) cruza a sua experiência, a de Kapuściński e a do seu pai, que ali esteve na Marinha, em 1964, durante a Guerra Colonial, e cujas memórias foi entretanto desvendar – mostrando onde se encontram e onde se afastam. Três vivências diferentes, três enquadramentos distintos, mas o mesmo lugar e muitos pormenores idênticos. “Há uma série de pequenos episódios quotidianos que se assemelham, coisas que ficaram até hoje, que são pertença cultural de Angola ou que estão enraizadas”, nota Joaquim Horta, que encontrou um país em transformação, com “uma Luanda nova a erguer-se com arranha-céus e uma pretensão cosmopolita, mas com um outro lado ainda muito presente”. Pelo palco, passa a guerra pela independência, o êxodo português, a guerrilha pelo poder e a onda de emigração que levou, de novo, os portugueses àquele país – tudo aquilo que faz esta Angola tão nossa familiar, mesmo até quando a memória nem sempre é fiel à realidade e a imaginação ajuda muito. Ali, em cena, Joaquim Horta é ele, ator e encenador, mas é também o seu pai e Kapuściński. Sempre na primeira pessoa, projetando imagens e vídeos que nos revelam uma Angola em vários tempos, conta-nos episódios que “lhe” aconteceram ali. É a Angola dele, a Angola deles, a Angola nossa.
Negócio > R. de O Século, 9, porta 5, Lisboa > T. 21 343 0205 > 9-19 dez, qua-sáb 21h30 > €5, €7,50