
O novo Spielberg, passado em plena Guerra Fria, nos anos 50, faz um inesperado ricochete com a guerra contra o terrorismo jihadista e os atentados de Paris, apesar das circunstâncias serem profundamente diferentes. O Bloco de Leste e o Daesh são realidades incomparáveis. Sobressai contudo a ideia de que é um erro responder a uma ameaça à nossa civilização abdicando dos valores e princípios dessa mesma civilização.
Essa é a deriva de James B. Donovan, um advogado de uma seguradora, interpretado com a habitual segurança e emoção de Tom Hanks, o ator fetiche de Spielberg. Donovan exige que Rudolf Abel, o espião russo capturado em solo americano, tenha um julgamento justo, e que seja respeitada a constituição americana. Para tal afronta tudo e todos – o juiz, a CIA e a própria opinião pública –, no mais incompreendido ato de patriotismo.
A batalha é meia ganha. Até porque, na segunda parte do filme, este “advogado do diabo”transforma-se num negociador para a troca de prisioneiros com a União Soviética e a República Democrática Alemã, fazendo vingar a sua capacidade empática.Esta história verídica é contada em A Ponte dos Espiões, um atípico filme de Steven Spielberg, com argumento bem desenhado pelos irmãos Cohen. Foge da espetacularidade imagética de grandes obras, para se centrar numa emocionante aventura, em que a espionagem é olhada de um outro ponto de vista, recuperando o contexto predileto do cinema de Hollywood dos anos 70 e 80. Contudo, a trama é muito mais política e diplomática. Um filme de espiões sem grandes tiroteios, nem perseguições de automóveis. Tal é preterido em nome de um certo realismo que está nos antípodas de James Bond. Como é habitual em Spielberg, explora-se o lado humano e sentimental das personagens. E a crença em heróis subtis e improváveis.
A Ponte dos Espiões > De Steven Spielberg, com Tom Hanks, Mark Rylance, Alan Alda, Amy Ryan > 141 min