Este texto exige um aviso legal: quem escreve estas linhas tem-se deliciado com os episódios de 25 minutos, protagonizados por Jerry, Elaine, George e Kramer. Já se passaram 32 anos desde a estreia de Seinfeld e, na gaveta das boas memórias, tinham ficado a forma esquisita como Elaine Benes (Julia Louis-Dreyfus) dançava, as entradas de rompante de Cosmo Kramer (Michael Richards) em casa de Seinfeld, as teorias estapafúrdias de George Costanza (Jason Alexander) ou o “nazi das sopas”. Há quem lhe chame televisão de conforto, alimentada por uma pandemia que nos pôs mais horas no sofá, e em que cada episódio pode ser visto como uma manta que serve de aconchego.
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Depois de a Netflix ter disponibilizado, em outubro passado, os 180 episódios da sitcom dos anos 90 criada por Jerry Seinfeld e Larry David, chegou a resposta da concorrente HBO: as dez temporadas antigas de Curb your enthusiasm (conhecida por cá como Calma, Larry!), a reboque do primeiro episódio da 11ª temporada, acabadinho de se estrear, 20 anos depois – jackpot para os amantes da comédia inteligente! Coautor e produtor de Seinfeld, justamente, Larry David começou a escrever Curb your enthusiasm idealizando uma versão de si próprio, mas sem qualquer travão social. Uma inabilidade que origina as mais estranhas (e divertidas) situações.
Em exibição na Fox Comedy, onde é prato de conforto servido diariamente, Friends parece viver em sucesso permanente. Também está disponível na HBO, que em 2019 pagou 386 milhões de euros para ter a sitcom criada por Marta Kauffman e David Crane na sua biblioteca, arrebanhando as dez temporadas (236 episódios) do catálogo da Netflix. Foi aí que Monica (Courteney Cox), Chandler (Matthew Perry), Joey (Matt LeBlanc), Ross (David Schwimmer), Phoebe (Lisa Kudrow) e Rachel (Jennifer Aniston) estiveram quatro anos, conquistando uma nova geração que se identificou com aquela comédia leve, protagonizada por um grupo de jovens em início de vida, sem grande arco narrativo e em que os episódios podem ser consumidos livremente.
A renovada popularidade da sitcom de 1994 não passou ao lado das marcas de moda rápida, que logo vestiram os seus manequins de t-shirts e sweaters com as caras dos seis amigos. Em Portugal, Friends estreou-se em 1998 na RTP1, em versão dobrada em português. Chamava-se Amigos e foi um fracasso – só quando, em 2005, a série passou na versão original no canal 2 é que a ignição se deu. Depois, na TV por cabo, seria exibida na SIC Mulher (o mesmo canal que tem estado a emitir Dr. House, o médico irónico que não vive sem as suas frases mordazes, interpretado de forma irrepreensível pelo ator britânico Hugh Laurie ao longo de oito temporadas).
Assim se explica, chegados ali a maio de 2021, a febre em torno da reunião de Friends, o encontro de uma hora sem guião em que os seis atores do elenco se juntaram para conversar, com convidados à mistura, como Malala Yousafzai, Lady Gaga ou David Beckham. O episódio especial, exibido na HBO, reuniu milhões de espectadores à mesma hora, a fazer lembrar, paradoxalmente, os grandes momentos televisivos que tinha de se ver em direto.
A nova “idade de ouro” da TV
Em frente à televisão, precisamente quando os desenhos animados apresentados por Vasco Granja vinham de muito longe, a geração nascida nos anos 70 aprendia a assobiar a melodia do compositor basco Carmelo Bernaola. Verão Azul chegou a Portugal em 1982 (estreara-se com estrondo um ano antes, em Espanha) e logo nos deixou presos àquela pandilha formada por Tito, Bea, Desi, Piraña, Pancho, Javi e Quique, amparada pelos adultos Julia e Chanquete, que se conhecem durante as férias grandes em Nerja, cidade da província de Málaga, à beira do Mediterrâneo. Não admira. Afinal, éramos (queríamos ser?) aqueles miúdos e o interminável verão pintado de azul servia para falar de aventura, de coisas que não aprendíamos na escola, de liberdades, de temas como a primeira menstruação e o divórcio – quando Desi recebe uma mota do pai, Tito e Piraña pensam numa forma de fazer com que os seus pais se separem.
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Os 19 episódios da série espanhola, desde janeiro no catálogo da HBO, hão de servir para lembrar esta e outras histórias. Aliás, se há campeão nesta maratona de séries é a norte-americana HBO, que foi produzindo o que de melhor vimos no final do século passado. Os Sopranos, série de 1999 sobre a família mafiosa da Nova Jérsia, da autoria de David Chase, abria caminho para uma nova forma de fazer televisão (a nova “idade de ouro” da TV), que conduziria ao atual momento, em que há mais séries do que tempo para as ver… Quem seguiu os 86 episódios não esquece a interpretação de James Gandolfini no papel de Tony Soprano, pai de dois filhos e patriarca da famiglia, que começa a fazer terapia com uma psiquiatra, com tudo o que isso significa. Houve momentos menos felizes na série, sim, mas a última cena é ainda hoje discutida e dissecada.
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Com Sete Palmos de Terra (2001-2005), obra de Alan Ball (argumentista do filme Beleza Americana, realizado por Sam Mendes) que gravita em torno dos Fisher, donos de uma agência funerária em Los Angeles, mostrava-se que havia espaço onde se podia ousar e ser criativo. Nunca a morte ficou tão bem a uma série.
Quando a plataforma de streaming chegou a Portugal, no início de 2019, trazia estes e outros pergaminhos, como O Sexo e a Cidade, retrato invulgar da amizade de quatro mulheres na casa dos 30, que viveu na televisão entre 1998 e 2004, o ano em que nascia o Facebook e a série protagonizada por Sarah Jessica Parker chegava ao fim. Depois, passámos a ter à mão de semear as duas temporadas de Twin Peaks quando se assinalavam os 30 anos sobre a estreia da série de David Lynch na RTP1, a 22 de novembro de 1990. Numa altura em que havia dois canais, o gravador de vídeo era a única hipótese de rever um programa e Herman José nos entretinha com a Roda da Sorte, conhecemos Dale Cooper (Kyle MacLachlan), o agente do FBI amante de um bom café que chega à cidadezinha do Noroeste Pacífico dos EUA para investigar um crime violento.
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Twin Peaks era tudo menos banal: para começar, tinha David Lynch e Mark Frost nos créditos, uma intriga serpenteante, personagens excêntricas, surrealismo, diálogos enigmáticos e donuts, muitos donuts (“We need doughnuts”). Esta não era uma série de massas e, no entanto, o público embarcou. A primeira temporada (de apenas oito episódios) foi muito elogiada, a segunda (com os habituais 22 e já sem Lynch) descarrilou por pressão de quem mandava no canal ABC para que se respondesse à pergunta “Quem matou Laura Palmer?”. Em 2017, Twin Peaks: O Regresso, uma produção da Showtime que chegou a Portugal no TV Series, foi uma das estreias do ano que a HBO tratou de juntar às duas primeiras partes, estávamos já nós em plena quarentena.
Há aquela célebre frase que diz que nunca se deve voltar ao lugar onde fomos felizes. Porquê, então, voltar, tantos anos depois, a estas séries? Talvez porque todas elas, cada uma à sua maneira, continuem a ser um exemplo – que nunca falha em distrair e nos traz conforto.
Friends (Ano de estreia 1994)
Sitcom criada por Marta Kauffman e David Crane, gira em torno de um grupo de seis amigos em início de vida na cidade de Nova Iorque. Disponível na Fox Comedy e na HBO
Twin Peaks (Ano de estreia 1990)
O ator Kyle MacLachlan será para sempre o agente do FBI Dale Cooper nesta série noir, de David Lynch e Mark Frost, à volta da morte de uma rapariga. Disponível na HBO
Verão Azul (Ano de estreia 1981)
Produção espanhola sobre as aventuras e descobertas de um grupo de rapazes e raparigas que criam uma amizade especial com dois adultos, durante umas férias grandes, à beira-mar. Disponível na HBO
Seinfeld (Ano de estreia 1989)
Jerry Seinfeld e Larry David criaram uma série de humor sobre nada e sobre tudo, que se tornou uma referência da comédia televisiva. Disponível na HBO
Sete Palmos de Terra (Ano de estreia 2001)
Uma visão trágico-cómica da morte segundo a perspetiva dos Fisher, proprietários de uma agência funerária. Disponível na HBO
Os Sopranos (Ano de estreia 1999)
Quem seguiu os 86 episódios não esquece a interpretação de James Gandolfini no papel de Tony Soprano, líder de uma família de mafiosos de Nova Jérsia. Disponível na HBO