Os frames de Vitalina Varela poderiam ser retirados da sala de cinema e expostos numa galeria de arte. Sobreviveriam, também assim, para a posteridade. Quando olhamos para cada um dos seus enquadramentos, temos a sensação de ter pela frente um quadro de um grande pintor, poderia ser Caravaggio, Rembrandt ou Georges de La Tour; ou uma fotografia de Paulo Nozolino. São molduras vivas em que há um cuidado extremo com a posição da câmara, os movimentos das personagens, o lugar de onde vem a luz, o tratamento do cenário numa sublime arquitetura da pobreza. Vitalina Varela é uma obra de arte, um trabalho que destaca o lado pictórico do cinema, e que se faz valer da capacidade das artes de transmitirem emoções profundas, sem precisarem, de forma contundente, de uma história.
O enredo, simples, também está lá: Vitalina chega atrasada ao funeral do marido, que há 40 anos fugira de Cabo Verde para se instalar na periferia de Lisboa. E encontra naquele submundo onde insiste em ficar um velho conhecido padre (Ventura). Ela tenta encontrar-se a si própria, ele tenta encontrar a sua fé.
Interessa mais aqui o método. A forma de trabalhar de Pedro Costa, assim como o contexto social, aproxima-o do neorrealismo. Trabalha sobre os guetos da periferia da cidade, com elementos dos próprios bairros, atores não profissionais, de que extrai uma essência genuína. Contudo, o tratamento cinematográfico está longe da prática realista. Há uma construção plástica, fotográfica, iluminada, que não pretende dar-nos a vida como ela é, mas sim uma interpretação poética da realidade, com elementos de rara beleza, mais próxima de realizadores como Béla Tárr, Alexandr Sokurov ou mesmo Carl Dryer. Em Vitalina Varela, Pedro Costa rompe a camada superficial da realidade para chegar a algo mais profundo.
Veja o trailer do filme:
Vitalina Varela > De Pedro Costa, com Vitalina Varela, Ventura > 124 minutos > 15 jan, sáb 23h30 > RTP2