O boxe sempre foi uma temática querida do cinema, não só pela sua espetacularidade realista mas também por se tornar uma forma eficaz e atraente de se retratar um submundo urbano, as franjas da sociedade ou a classe baixa. Assim acontece em clássicos norte-americanos, como Rocky (John G. Avildsen, 1976) e Touro Enraivecido (Martin Scorsese, 1980), e assim acontece no cinema português, em filmes como Belarmino (Fernando Lopes, 1964) ou São Jorge (Marco Martins, 2018).
Gabriel, a primeira longa-metragem de Nuno Bernardo, produtor e realizador já com alguma experiência de televisão, tenta, justamente, tirar do boxe essa forte dimensão humana, aplicada a uma Lisboa (sub)urbana contemporânea. Gabriel é um jovem cabo-verdiano que vem para Portugal viver com a tia, após a morte da mãe. O seu verdadeiro objetivo é encontrar o pai, pugilista, desaparecido em parte incerta. Como se fosse empurrado pelo destino, não consegue evitar repetir a história do pai e vê-se envolvido com a máfia local, ligada ao negócio de apostas em combates com resultado combinado.
Gabriel é filmado num ritmo palpitante, utilizando uma estrutura livre de montagem, em que se intercala a narrativa com cenas do derradeiro combate. Há, assim, um fluido jogo emocional e um equilíbrio que cativa nos vários planos do filme – desde a deriva emocional ao suspense, passando pela ação dentro do ringue. Tudo isto bem enquadrado, ao som de hip-hop, com os Olivais a fazerem de subúrbio, e tratando, de forma natural e credível, temas atuais como o racismo, a criminalidade e a imigração. É, pois, um filme competente, com uma história simples e bem articulada, que não deslumbra mas não compromete. Honesto nos meios e nas intenções, beneficia do trabalho de um ator em ascensão, Igor Regalla, que já havia feito de Eusébio, em Ruth, de António Pinhão Botelho.
Veja o trailer do filme
Gabriel > De Nuno Bernardo, com Igor Regalla, José Condessa e Ana Marta Ferreira > 92 minutos > 7 mar, dom 00h45 > RTP1