Vistas bem as coisas, em termos narrativos, o filme de Tiago Guedes já tinha os ingredientes certos para ser adaptado a uma série televisiva. Sobretudo, a ideia de uma história que atravessa a História e prossegue ao longo de duas gerações, mantendo duas dimensões: um olhar amplo sobre o País e as suas mudanças políticas sociais; e um olhar fino sobre uma família, centrado na personagem de um grande latifundiário e a vida numa herdade a sul do Tejo. O que se perde no pequeno ecrã (e não é pouco) é, acima de tudo, a belíssima fotografia da paisagem da lezíria ribatejana, bem como os enquadramentos das cenas que muitas vezes evitam os planos de proximidade que resultariam melhor na televisão.
Na verdade, o filme de Tiago Guedes já se dividia organicamente em duas partes distintas, separadas por uma elipse. Na primeira, que agora corresponde aos dois primeiros episódios, prevalece uma perspetiva global: ao lado da história, interessa-nos a História de Portugal que está a decorrer, antes e depois do 25 de Abril. Centrando-se sempre na personagem de João Fernandes (interpretação visceral de Albano Jerónimo), fazendeiro que se confunde com a própria terra, sua ambiguidade e prepotência, sentido invulgar de justiça, e capacidade de se adaptar aos diferentes regimes. A personagem tem uma densidade psicológica tremenda, que nos inquieta através das suas contradições morais. Nesta primeira parte, são lançados os alicerces da história íntima e familiar.
A segunda parte, equivalente aos segundo e terceiro episódios, transporta-nos para o embate com o neoliberalismo, que, ironicamente, se revela mais devastador para as ambições do latifundiário do que o fascismo e o PREC. Só que aqui a pequena história, com ingredientes camilianos, sobrepõe-se à História e detemo-nos sobre o desenvolvimento íntimo e pessoal das personagens em fase de decadência.
A versão apresentada na RTP1 consiste basicamente no filme dividido em quatro partes. Posteriormente, no canal Arte, passará uma outra versão, em que se acrescentam imagens de arquivo, para contextualizar a ação na época.
A Herdade > 30 abr-1 mai, qui-sex 21h45 > RTP1
