O encontro estava marcado para o final da tarde, numa daquelas atrações que atualmente pululam pelos miradouros deste País, o baloiço do Mezio. Pequenos grupos aproximam-se e aguardam pela sua vez para tirarem a fotografia da praxe, com as cores vibrantes do pôr do Sol a recortar as figuras e a paisagem da serra do Soajo. A poucos metros, fica a Porta do Mezio, uma das cinco portas do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) – esta, pertencente ao concelho de Arcos de Valdevez –, onde, além de se poder recolher informação sobre o território, se encontra um parque de aventuras e um museu etnográfico. No nosso caso, aguardava-nos no centro gastronómico uma mesa farta de iguarias regionais, como a broa artesanal dos Arcos, feijão tarrestre, bolo do tacho, queijos, vinhos e enchidos. Com as mãos na massa, estava Rosa Silva, numa demonstração da recriação do tradicional bolo de discos. “Os discos, feitos com miolo de amêndoa e claras, são levados ao forno para ficarem crocantes, depois alternam com camadas de doce de ovos”, explica a doceira.

Era já noite escura quando se passou para a observação de estrelas, conduzida pelo astrónomo Hugo Palma, usando os vários telescópios espalhados pelo relvado exterior da Porta do Mezio. “Aqui temos um centro interpretativo, mas pelo parque existem sete pontos de observação, extraordinariamente escuros, com condições excecionais, para onde podemos levar os telescópios”, explica. “Estamos a abrir uma terceira dimensão, virtualmente infinita, com muito para oferecer: estrelas, galáxias, planetas…” Todas as observações são diferentes. “Em noites boas, com pouca luz lunar, conseguem-se ver entre três e cinco mil estrelas”, diz Hugo. Os telescópios apontam para os pontos de interesse visíveis: a Ursa Maior; o triângulo de verão formado pelas estrelas Vega, Deneb e Altair; a resplandecente Lua. A lembrar-nos como somos todos feitos de pó de estrelas.
ATRAVESSAR OS ARCOS

A Natureza luxuriante do Minho aguardava-nos na manhã seguinte. A pé, fizemos um pouco da última das três etapas da Ecovia do Vez, com um total de 33 km, a maior parte deles a seguir o rio Vez, um dos menos poluídos da Europa. Perto das montanhas, o leito é bem mais afunilado e rochoso do que quando atravessa o centro de Arcos de Valdevez. A vegetação é abundante, com salgueiros, loureiros, amieiros e muitas outras variações de verde, a proteger do Sol. Os passadiços de madeira intercalam com os antigos trilhos de transumância, numa área inserida na Reserva Mundial da Biosfera, uma classificação atribuída pela Unesco, dada a importância e raridade das suas fauna e flora. A quebrar o silêncio, apenas o correr das águas e um ou outro pássaro – por ali avista-se o melro-de-água, o pato-real, a garça-real e o guarda-rios. “Além da beleza natural, temos o Museu da Água, ao ar livre, com várias janelas ao longo do rio para observar a Natureza e painéis informativos”, descreve Miguel Rios, da Live Out Life, empresa vocacionada para as caminhadas.

O passeio termina por caminhos medievais de pedra, rasgados pela passagem das rodas dos carros de bois, paralelos às propriedades agrícolas. Atingimos então Sistelo, uma típica povoação minhota, com cerca de 300 habitantes, cujo marco geodésico marca os 1 360 metros de altura. “A aldeia ficou colada à imagem do ‘Tibete português’ e, quando foi considerada uma das sete maravilhas de Portugal, houve um boom de visitantes… O impacto marcou muito estas pessoas, tinham vidas muito isoladas”, conta o guia. A ecovia absorve grande parte da procura dos amantes do pedestrianismo, mas a partir da aldeia pode-se seguir para vários trilhos, alguns deles a desbravarem o PNPG.
No lugar da igreja, o principal da freguesia, onde está a igreja matriz, o cruzeiro, o fontanário, os espigueiros e a eira e o tanque comunitários, distingue-se também uma construção curiosa feita por um emigrante do Brasil, na segunda metade do séc. XIX, a que chamam o Castelo de Sistelo. Recuperado pela autarquia, terá serviço de informação turística, loja e restaurante para degustação de produtos regionais. Das torres com ameias tem-se uma vista privilegiada da língua de casas encaixada no vale e da encosta em socalcos, transformada pelo engenho humano, para a prática de uma agricultura de subsistência. Paisagem cultural classificada, em 2018, como monumento nacional.

Descemos agora das montanhas para conhecer o Paço da Giela, monumento nacional ligado a um importante momento da fundação da nacionalidade, o Recontro de Valdevez, ocorrido em 1141, e que opôs Afonso Henriques ao seu primo Afonso VII de Leão e Castela. Este exemplar da arquitetura civil privada medieval e moderna estava em ruínas quando foi adquirido pelo município e, após reabilitação, abriu ao público em 2015. Na torre, construída em meados do século XIV, incluiu-se um espaço musealizado, onde se fala dessa batalha, da arqueologia e ocupação humana do concelho, além da evolução e história do próprio monumento. “É um arquétipo da casa senhorial do Alto Minho, teve várias intervenções ao longo dos séculos e a nossa filosofia foi consolidar as preexistências, respeitar as marcas do tempo e não alterar nada, há apenas umas estruturas metálicas que têm um impacto quase nulo”, explica o arqueólogo Nuno Santos, chefe da divisão cultural na Câmara de Arcos de Valdevez. O Paço tem sido aproveitado para concertos e outros encontros, como a prova feita, após a visita, das especialidades da Doçaria Central – os charutos dos Arcos, de cariz conventual, são os mais conhecidos da casa fundada em 1830 –, com o espumante Vez, produzido com uvas da casta Loureiro, pela Adega Cooperativa de Ponte da Barca. Um casamento perfeito.
PETISCOS E MERGULHOS EM PONTE DA BARCA

Aproveitamos, então, para seguir para o concelho vizinho, onde nos aguardavam outras degustações, no restaurante Vai à Fava (aberto apenas de março a outubro). Instalado num palacete com um terraço convidativo sobre o rio Lima, destaca-se de uma oferta mais tradicional e predominante naquelas paragens, desde logo, com uma série de bons pratos vegetarianos, como caril ou strudel de vegetais. Além disso, não faltam entradas para petiscar, como folhadinhos de alheira com maçã ou chamuças de bacalhau, assim como sugestões a valorizar produtos de qualidade, como o naco à terras da Nóbrega, de carne cachena, acompanhado de puré de castanhas. “Temos pratos com uma apresentação diferente, mas que fazem parte da gastronomia portuguesa”, diz Vera Bettencourt, a proprietária. Possuem igualmente uma loja, onde vendem loiça, vinhos e objetos decorativos “que fazem lembrar o passado”, descreve.

No dia seguinte, estava marcada visita a um dos locais mais emblemáticos de Ponte da Barca, a pequena povoação do Lindoso (com cerca de 80 habitantes), próxima da barragem homónima, onde se encontra um conjunto de 67 espigueiros (52 em torno da eira comunitária), o mais antigo de 1710, com os característicos telhados em granito de duas águas. Ao lado, sobre o pequeno outeiro rochoso, destaca-se o castelo construído no reinado de D. Afonso III (1258), que, desde a fundação da nacionalidade, pela localização estratégica, assumiu um papel importante na defesa da fronteira, a quatro quilómetros. Lá dentro, funciona um pequeno núcleo ecomuseológico, reunindo informações sobre a história militar da fortaleza e artefactos encontrados em escavações arqueológicas, a testemunhar a ocupação do território. Mais informação está disponível na Porta do Lindoso, a dois passos, dedicada às temáticas da água e da geologia, pela qual está responsável o biólogo Nuno Pousada. É ele, igualmente, o detentor das chaves do castelo. “Nesta fortificação militar, que também funcionava como posto de vigia do porto fluvial, quando o rio Lima era navegável, os combates eram constantes durante os séculos XIII a XV, e a população tinha a obrigação de ajudar o alcaide durante os ataques dos espanhóis”, conta. Esteve ativo de forma contínua até 1885 e, após a saída dos soldados, o castelo perdeu a sua dinâmica. Agora, sob a tutela do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, voltou-se a contar a sua história. “Funciona como uma máquina do tempo”, sublinha Nuno.
A poucos quilómetros, à sombra de outros espigueiros, já estava preparado um piquenique na eira comunitária da aldeia da Parada, pela empresa Delícias da Serra Amarela. Tartes, queijos, enchidos tradicionais, compotas, rissóis, pataniscas e saladas acumulavam-se na mesa. “Queremos proporcionar os sabores autênticos do Lindoso”, diz Patrícia Santos, uma das responsáveis. O calor apertava e o convite para espreitarmos o Poço da Gola era irresistível. “A população apropriou-se deste açude de regadio”, conta Nuno Pousada. Ao longo da ribeira das Mulas, veem-se pessoas estendidas entre os penedos ou a mergulharem nas águas frescas. No nosso caso, só houve tempo para molhar os pés, porque outro concelho (e outras águas) nos aguardava.
ÁGUAS MEDICINAIS E VINHOS DE MELGAÇO

As propriedades da água das termas de Melgaço são conhecidas desde 1884, sobretudo no tratamento da diabetes e hipercolesterolemia, mas também com indicações terapêuticas para problemas respiratórios e musculoesqueléticos. A envolvente do frondoso Parque do Peso, por onde passa a ribeira da Bouça Nova, confere a tranquilidade necessária para os tratamentos. No complexo termal, destaca-se o balneário reabilitado (em 2013), com a sua arquitetura em ferro, onde está a buvete para ingestão das águas medicinais, de acesso livre. No edifício principal, além dos habituais tratamentos termais, com prescrição médica, não faltam os mais específicos de um spa, desde massagens a esfoliações, além da piscina interior com circuito de águas, com amplas janelas para o cenário verdejante.

Em Melgaço, estamos nos domínios do Alvarinho e uma visita a um dos seus representantes era inevitável. Na Quinta de Soalheiro, uma referência para os vinhos desta casta, existem vários pacotes enoturísticos para dar a conhecer o terroir, os produtos e a história da empresa, hoje liderada pelos irmãos António Luís e Maria João Cerdeira. “Todos os nossos vinhos têm Alvarinho, exploramos as características do território e temos vinhas a baixa altitude, a meia encosta e também em altitude, o que revela a elasticidade da casta… A diferença nos perfis dos vinhos é muito interessante”, explica Carolina Osório, a responsável pelo enoturismo. Do terraço da casa original, com vista para o vale do rio Minho, passamos para a Quinta da Folga, um projeto da família Soalheiro, onde fazem algumas experiências gastronómicas para grupos. Ao desfile de vinhos – frutados, minerais, naturais e espumantes –, junta-se o fumeiro de porco bísaro, que preparam de acordo com as receitas tradicionais, e os queijos de cabra da queijaria Prados de Melgaço. O jantar despretensioso, preparado pelas cozinheiras da casa, não destoa neste contexto rural. Abençoado Alto Minho.
GUIA DE VIAGEM
COMER
Restaurante A Floresta
No centro da vila minhota, com esplanada generosa, trabalha os produtos nobres da região, como a carne cachena. Campo do Trasladário, 5, Arcos de Valdevez > T. 258 515 163 > ter-dom 12h-15h, 19h-22h
Restaurante Vai à Fava
R. Dr. Alberto Cruz, 13, Ponte da Barca > T. 258 027 769 > ter 19h30-22h, qua-dom 12h30-15h, 19h30-22h
Delícias da Serra Amarela
Parada, Lindoso, Ponte da Barca > T. 91 266 9952 / 93 362 2747
DORMIR
Quinta de Soalheiro
A produtora de vinhos Alvarinho tem vários pacotes enoturísticos, inclusive com alojamento, na Casa das Infusões. Alvaredo, Melgaço > T. 251 416 769 > soalheiro.com
Ribeira Collection Hotel
Junto ao rio Vez e ao centro histórico de Arcos de Valdevez, o edifício centenário foi reabilitado e tem agora spa e piscina interior. Lg. dos Milagres, Arcos de Valdevez > T. 258 009 410 > a partir de €89

Lima Escape Camping & Glamping
Além de campismo e caravanismo, o parque tem tendas tupi e bungalows. Situado numa península rodeada pelos rios Lima, Froufe e Tamente, está vocacionado para a prática de desportos aquáticos. Lugar de Igreja, Entre Ambos-os-Rios, Ponte da Barca > T. 258 588 361 > a partir de €45 (bungalows) e €50 (tendas tipi)
Hotel Fonte Velha
Ocupa um palacete reabilitado no centro histórico de Ponte da Barca, com jardins colados à margem do rio Lima. R. Plácido Vasconcelos, Ponte da Barca > T. 258 101 699 > a partir de €55
VER/FAZER
Porta do Mezio
Mezio, Arcos de Valdevez > T. 258 510 100 / 258 522 157 > €2 > observação astronómica: €15/pessoa (mínimo 10 pessoas, duração 4 horas)
Termas de Melgaço
Parque do Peso, Paderne, Melgaço > T. 251 460 010 > termasdemelgaço.pt
Live Out Live
Parque do Peso, Paderne, Melgaço > T. 96 699 8853 > facebook.com/liveoutlifelol