Às primeiras horas da manhã, o parque de estacionamento da Casa do Preto, em Chão de Meninos, está praticamente cheio. É assim todos os dias, diz-nos uma funcionária desta fábrica de queijadas, inaugurada em 1931, onde os doces de fabrico artesanal são a principal razão para uma paragem, a caminho de Sintra. Nas vitrinas, brilham também os travesseiros, outra das especialidades que são, muitas vezes, motivo de visita à vila, Património Mundial da UNESCO, desde 1995, a primeira galardoada na Europa na categoria Paisagem Cultural. Mas há mais para provar. Na Pastelaria Gregório, há 70 anos na zona da Estefânea, produzem- -se broas de mel que têm conquistado até quem dizia não gostar. “É uma receita muito antiga. Continuamos a utilizar o mel do mesmo fornecedor alentejano; há um cuidado muito grande com os ingredientes”, diz Teresa Matos, 70 anos, que, com os filhos Francisco e Filipa, leva adiante o negócio de Gregório Casimiro Ribeiro. Na casa, à beira da Avenida D. Francisco Almeida, há também queijadas, salgados e, a partir desta semana, bolo-rei, “feito à antiga pelo Francisco. A receita tem mais de 50 anos”, garante Teresa. Não muito longe daqui, e já perto do Centro Cultural Olga Cadaval e do Museu das Artes de Sintra, o mercado municipal tem uma nova área de restauração, com esplanada. Há propostas veganas e vegetarianas na Despensa D’Aromas; comida caseira na Brincos de Princesa; sanduíches no Palácio dos Leitões; vinhos de pequenos produtores, tábuas de queijos e conservas na Adega 11 e, lá está, queijadas tradicionais e queijadas finas, feitas com doce de ovos, amêndoa e açúcar, na Fábrica de Queijadas Recordação de Sintra (esta é a primeira loja aberta ao público). “São diferentes e menos conhecidas”, diz Simão Ribeiro, também ele descendente de Gregório Casimiro Ribeiro.
Da Correnteza, espreita-se a vila
Para alcançar o centro, siga pela longa Avenida Heliodoro Salgado, onde há comércio variado e menos turistas. Os monumentos não estão por aqui, mas outros motivos fazem valer a caminhada, como a arquitetura das moradias, algumas com pequenos jardins e coloridas portadas de madeira. Faça-se um pequeno desvio para ir à Hipopómatos na Lua, um projeto que combina literatura e chá, a funcionar, desde 2015, numa espécie de casa na floresta. Para lá chegar, é preciso atravessar o jardim da Biblioteca Municipal de Sintra, entre arbustos e árvores centenárias. A ideia partiu de Nazaré de Sousa que aqui criou a primeira livraria infantojuvenil, ponto de encontro de pais e filhos, de leitores e fãs de boas histórias, ilustrações e infusões.
Tome-se a direção da Alameda dos Combatentes da Grande Guerra, para apreciar, a partir do Jardim da Correnteza – um verdadeiro miradouro –, o Vale da Raposa, o Palácio Nacional de Sintra, o Castelo dos Mouros e o casario da Vila Velha. As placas afixadas, tal como acontece um pouco pela vila, contêm informação sobre a vegetação. Neste conjunto arbóreo, classificado como de interesse municipal, há 12 plátanos e quatro freixos.
Uma aventura sobre rodas
Em março de 2018, o trânsito sofreu alterações. A Volta do Duche e a Estrada de Monserrate, por exemplo, passaram a ser de sentido único, e limitou-se o acesso a alguns arruamentos, inclusive ao centro histórico. Se for de carro, saiba que há vários parques de estacionamento. Em alternativa, sugere-se uma viagem de comboio – a última paragem da linha de Sintra fica a meia dúzia de passos da Volta do Duche. Se é a pé que se conhece melhor a vila, o Las Tours Sintra, a poucos metros da estação, quer ser uma alternativa. Desde 2014 que daqui saem turistas dentro de um Renault Twizy, um pequeno veículo elétrico para duas pessoas, que permite explorar Sintra através de várias rotas. “É o cliente que conduz, guiado por um GPS e um audioguia”, explica Luís Sá, o proprietário. Entre os locais sinalizados está o jardim e miradouro da Vigia, mas o cliente tem liberdade para parar onde quiser.
Na ida ou na volta, passe pela loja Pó de Arroz, com várias sugestões para presentes, feitos à mão por Tânia Rato que, há 12 anos, mostra também o que é feito em Portugal, com gosto e arte. Chegada a hora de sentar à mesa, são várias as opções. Na Avenida Dr. Miguel Bombarda, perto da Volta do Duche, o restaurante Apeadeiro serve comida tradicional portuguesa, como os filetes de espada ou a posta mirandesa. “Em setembro de 2020, faremos 50 anos. Somos um restaurante de gerações”, conta Raul Nogueira que, em sociedade com José Almeida, dirige o estabelecimento. No final da refeição, oferecem um minitravesseiro e um copo de vinho do Porto. Do outro lado da rua, não estranhe a fila à porta do Café Saudade, principalmente ao fim de semana. “Tivemos de abrir a sala dedicada às artes para podermos sentar os clientes”, diz Liliana, uma das funcionárias. A razão de tanta procura tem várias formas e sabores: brunch (doce ou salgado), scones XL e bolos caseiros à fatia, para degustar em várias salas, decoradas com cerâmica portuguesa e relíquias, algumas a remeterem para o passado do edifício que – adivinhe-se! – foi em tempos a Fábrica de Queijadas Finas Mathilde.
A pé se faz o caminho
Com a chegada do comboio a Sintra, em 1887, houve negócios que se mudaram para a vila. Foi o caso da Fábrica das Verdadeiras Queijadas da Sapa, a mais antiga de todas na confeção deste doce – a primeira referência data de 1756. Rui Neves Soares, 55 anos, é a quinta geração do negócio que veio de Ranholas e se instalou, no século XIX, na Volta do Duche, artéria que faz a ligação à Praça da República, junto ao Palácio Nacional de Sintra. “Somos uma fábrica pequena e artesanal”, diz. “A receita destas queijadas é em tudo igual à das outras; a diferença está na qualidade dos produtos, em particular do queijo, e na massa laminada, que leva seis cortes para ficar mais redonda.”
Passo a passo, vai-se subindo a Volta do Duche. A meio caminho, fica o Parque da Liberdade, espaço de flora exuberante, com lagos e fontes, ideal para um passeio em família, e ainda a Fonte Mourisca, cuja arquitetura merece uns minutos de atenção. No lugar do antigo Museu do Brinquedo está, desde 2016, o NewsMuseum, agora com uma nova exposição dedicada aos melhores momentos do desporto nacional, como o golo de Éder, no Euro 2016, e as vitórias de Carlos Lopes e de Rosa Mota na maratona. Dedicado aos média, jornalismo e comunicação, o museu tem 25 módulos temáticos e muitos conteúdos interativos que cativam adultos e crianças – uma parede touch com 67 metros quadrados, emissões de rádio e gravações para televisão. Com tanta informação, nada como fazer uma pausa. No Villa Craft Beer & Bread, de portas abertas desde abril, servem-se cervejas artesanais, acompanhadas por pães com chouriço, bacalhau, sardinha picante ou cachaço de porco, feitos em forno a lenha.
Chegados à Praça da República, os turistas fazem notar-se ainda mais, mas, no adro da Igreja de São Martinho, parece que estamos sozinhos (talvez por ser um pouco escondido). Dali, avista-se o casario e a serra. A maioria passeia em grupo pelas ruas estreitas, sobe e desce escadas e ruelas e aventura-se pelos becos, onde há lojas como a Lila Acessórios Criativos, em que se destacam os trabalhos de bijuteria de Marília Castro, 46 anos, como colares, brincos e pulseiras. “Desde miúda que gostava de mexer em contas e em missangas”, conta a artesã que, a dada altura, fez do hobbie um negócio de sucesso, com três lojas no centro histórico. Sobre os turistas tem uma palavra a dizer: “Dão mais valor do que os portugueses ao trabalho manual.” Na Rua das Padarias, é habitual haver fila na Piriquita (tem duas lojas no centro histórico). Além dos travesseiros, fabricados desde 1862, na casa fundada por Constança Gomes “Piriquita”, há outras sugestões a ter em conta, como o pastel de cruz alta, referência ao ponto mais alto da serra de Sintra, feito de ovo, amêndoa e feijão. Do outro lado da rua, no número 6, suba-se ao primeiro andar, onde fica o ateliê e a loja Dupi’s, de Orizia Vieira, para descobrir os seus trabalhos em azulejo, apreciados “essencialmente por estrangeiros”, diz.
Numa curta caminhada, alcança-se as Escadinhas da Fonte da Pipa e a Tascantiga, ideal para uma refeição à base de petiscos para partilhar: lâminas de polvo à lagareiro, camarão salteado com alho e coentros ou ovos com farinheira. Está decorado com objetos de outros tempos, dos pratos às cadeiras, e tem uma esplanada. O projeto é dos sócios Francisco Guimarães, Isabel Guimarães e João Cansado, os mesmos da steakhouse Santo Bife, onde, desde junho, num ambiente informal, se provam pratos de carne com vista para o histórico Laurence’s Hotel. Este passeio não podia terminar sem o percurso pedestre da Vila Sassetti, a ligar o centro histórico ao Palácio da Pena e ao Castelo dos Mouros. A vista é bonita, impressiona a cada passo e, embora exija fôlego, vale o esforço. Isso, podemos garantir.
Interpretar a Natureza em Monserrate
O edifício branco de grandes janelas, onde funciona o novo Centro de Interpretação da Natureza, revela-se entre a vegetação frondosa do Parque de Monserrate, assim que termina o caminho de terra batida desde as bilheteiras. É nesta casa, construída em 1920 como atelier de pintura de Sir Francis Cook, bisneto do primeiro visconde de Monserrate – chegou a servir de instalação para animais exóticos –, que desde meados de outubro se dá a conhecer, em quatro núcleos temáticos, a fauna e a flora da serra de Sintra. Sem revelar muito do que se vê durante a hora e meia de visita, sempre acompanhada por um guia, diga-se que o centro, direcionado para um público entre os 6 e os 12 anos, inclui um aquaterrário, onde de momento habita um cardume de boga-portuguesa, tritões–de-ventre-laranja e tritões-marmoreados, e um modelo de carvalho-português (está pendurado no teto, dividido em raiz, tronco e copa), espécie que se encontra em grande número em Sintra. Antes disso, oito vídeos pequenos explicam, através de animações, como surgiu esta serra, há 25 milhões de anos, e evoluiu até aos dias de hoje. A visita termina de olhos postos no teto da mezzanine, para assistir à projeção que mostra a águia-de-bonelli, o falcão-peregrino ou o morcego-anão. Entre explicações e jogos, muito se descobre só de olhar pelas grandes janelas, por onde a Natureza parece entrar, sem pedir licença. Parque de Monserrate > T. 21 923 7300 > seg-dom (mediante marcação prévia); próximas visitas: 30 nov, 7, 14 e 21 dez, sáb 15h (requer inscrição prévia) > €8, €5 (programa escolas)
Museus municipais com entrada grátis
Durante este ano, os museus municipais de Sintra têm entrada gratuita. Esta é uma das iniciativas que integram as comemorações dos 25 anos da classificação de Sintra como Paisagem Cultural e Património Mundial pela UNESCO, que se assinalam este ano com um programa de atividades diverso, da dança à música, passando por debates, cinema e recriações históricas. A lista de museus inclui, no centro da vila, o Museu Ferreira de Castro, dedicado ao escritor e autor do romance A Selva; o Museu Anjos Teixeira, onde se descobre a obra dos mestres escultores Artur e Pedro Anjos Teixeira; o Museu de História Natural de Sintra, cujo espólio inclui o meteorito de Nathan (China), e o Museu das Artes de Sintra (MU.SA), no antigo edifício do casino, na zona da Estefânea, que mostra a coleção municipal de arte contemporânea, com obras de artistas como Dorita Castel-Branco e Júlio Pomar. Fora da vila, têm entrada gratuita a Casa-Museu Leal da Câmara, em Rio de Mouro, e o Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas, em S. Miguel de Odrinhas.
TOME NOTA
Casa do Preto > Estr. de Chão de Meninos, 40, Chão de Meninos > T. 21 923 0436 > seg-sex 7h-19h30, sáb-dom 8h-20h
Pastelaria Gregório > Av. D. Francisco Almeida, 35 > T. 21 923 2733 > ter-dom 8h-19h
Fábrica das Verdadeiras Queijadas da Sapa > Volta do Duche, 12 > T. 21 923 0493 > seg-dom 9h-18h
Casa Piriquita > Loja 1: R. das Padarias, 1 > T. 21 923 0626 > seg-ter, qui-dom 9h-20h > Loja 2: R. das Padarias, 18 > seg, qua-dom 8h30-20h
Mercado Municipal de Sintra-Estefânea > R. Capitão Mário Alberto – Pimentel > T. 21 923 8826 > ter-dom 8h-22h
Café Saudade > Av. Dr. Miguel Bombarda, 6 > T. 21 242 8804 > seg-dom 8h-20h
Tascantiga > Escadinhas da Fonte da Pipa, 2-4 > T. 21 924 3242 / 93 310 3626 > seg-sáb 12h-18h (inverno), 12h-22h (verão)
Santo Bife > R. Consiglieri Pedroso, 19 > T. 21 924 2511 > seg-qua 12h-18h, qui-sáb até 22h
Apeadeiro > Av. Dr. Miguel Bombarda, 3 > T. 21 923 1804 > seg-qua, sex-dom 12h-23h
Villa Craft Beer & Bread > Cç. do Rio do Porto > T. 96 825 0458 > seg-dom 10h30-20h
COMPRAR
Dupi’s > R. das Padarias, 6, 1º andar > seg-dom 10h-19h
Hipopómatos na Lua > Biblioteca Municipal de Sintra > R. Gomes de Amorim, 12-14 > T. 21 923 6198, 93 912 2533 > ter-sex 14h-19h, sáb 11h-19h
Lila Acessórios Criativos > R. Arco do Teixeira, 2, 1º andar > R. Arco do Terreirinho, 1 > Beco da Judiaria, 2 > seg-dom 10h-19h > T. 96 477 7577
Pó de Arroz > R. Dr. Alfredo da Costa, 14 > seg-dom 11h-19h
VER
Las Tours Sintra > R. Dr. Alfredo da Costa, 62 > T. 21 924 4042 / 93 055 1187 > seg-dom 9h30-18h30 > a partir €50 (duas pessoas)
NewsMuseum > R. Visconde Monserrate, 26 > qua-dom 10h-17h (out-mar), seg-dom 9h30-19h (abr-set) > €8, €4 (7-17 anos), grátis (até aos 6 anos)
SAIR
Parque da Liberdade > Volta do Duche > seg-dom 9h-17h
Vila Sassetti > Estr. da Pena > seg-dom 10h-17h
DORMIR
Lawrence’s Hotel > R. Consiglieri Pedroso, 38-40 > T. 21 910 5500 > a partir de €170