
Da obra produzida por Manoel de Oliveira ao cinema contemporâneo de autor, muitas serão as valências da casa, que inclui uma sala de cinema e Serviço Educativo
Há um rasgo cinematográfico na forma como os dois edifícios da Casa do Cinema Manoel de Oliveira (CCMO) foram implantados no limite nascente do Parque de Serralves, a enquadrar e a animar a paisagem. O primeiro, fruto da reconversão da antiga garagem do Conde de Vizela (um dos anteriores proprietários da quinta), é discreto e respeita o espírito do lugar. Serve ainda de inspiração ao segundo bloco, do qual está separado por uma ramada de buganvílias, em diálogo com toda a envolvente e a carregar a assinatura clara de Siza Vieira. Arquiteto e cineasta (falecido em 2015) tiveram a oportunidade de falar profundamente sobre o projeto. E, ultrapassando os problemas que impediram a sua concretização durante mais de 20 anos, os desígnios de Manoel de Oliveira foram integralmente respeitados.

A sala com cinco telas onde se abordará a vida e obra de Manoel de Oliveira
Lucília Monteiro
Na casa original ficam as áreas expositivas. Uma permanente, no piso superior, que “propõe um percurso através da globalidade da obra de Manoel de Oliveira, apresentando toda a sua filmografia e colocando-a em confronto com uma seleção de documentos extraídos do acervo”, explica António Preto, diretor da CCMO. Siza Vieira criou um conjunto de telas onde serão projetadas sequências, planos e cenas que apresentam novas possibilidades de olhar para a estética recorrente nos processos de trabalho do realizador. No piso inferior, decorrerão as exposições temporárias, sendo a inaugural (vigente até novembro) dedicada às representações da casa no cinema de Manoel de Oliveira, tendo como fio condutor o documentário Visitas ou Memórias e Confissões, realizado em 1982, quando tinha 73 anos. Pensado como filme-testamentário (a ser visto postumamente), tornar-se-ia uma obra profética, antecipando toda a filmografia que estava por vir.
A instituição pretende ainda dialogar com o cinema contemporâneo e antecipar o cinema do futuro – em novembro, inaugura a exposição retrospetiva dedicada a Eugène Green, cineasta norte-americano, radicado em França e próximo de Portugal. No novo edifício, encontra-se a sala de cinema de 59 lugares, que terá uma programação regular – nesta primeira fase, acolherá o ciclo Manoel de Oliveira, Portas Abertas e, em setembro, será dada carta-branca ao arquiteto Siza Vieira para apresentar as suas referências cinéfilas. E ainda o Serviço Educativo – com programas para todos os públicos, uns mais circunscritos, outros mais ambiciosos e de longa duração –, um espaço dedicado à investigação, além do depósito onde está guardado o gigantesco acervo do realizador.

Alguns dos prémios conquistados pelo realizador
Lucília Monteiro
A CCMO vai promover inúmeras colaborações com Serralves – aliás, as instituições partilham a entrada e bilhética –, seja com ciclos de cinema em articulação com as exposições do museu, seja com atividades do Serviço Educativo que partem de instrumentos próprios do cinema para pensar as linhas de atuação de Serralves, seja ainda com mostras organizadas pelos dois polos, dedicados a artistas que trabalhem no cruzamento entre cinema e arte contemporânea. Não faltam planos, a lembrar a longevidade e a criatividade de Manoel de Oliveira.

Lucilia Monteiro
Três perguntas a… António Preto
Diretor da Casa do Cinema Manoel de Oliveira
1. Esta casa era um objetivo de Manoel de Oliveira?
Ao longo de mais de 80 anos, Manoel de Oliveira reuniu um espólio documental ligado ao cinema, que ele pretendia colocar ao serviço da cidade e do público em geral. Esse acervo, depositado em Serralves, é uma das peças que estão na origem deste projeto, além do desejo do próprio realizador de constituir uma instituição dedicada ao cinema.
2. O que proporcionará a Casa do Cinema?
Há uma constante no percurso de Manoel de Oliveira: tratar de temáticas que têm um primeiro nível de leitura romanesco, mas que, ao mesmo tempo, interpelam criticamente o seu tempo, pela via da alegoria ou da metáfora. A Casa do Cinema será um espaço no qual se fará uma síntese retrospetiva do que foi a obra produzida por Oliveira e, ao mesmo tempo, um balanço de toda a História do Cinema.
3. O que teve a sua obra de tão singular?
Oliveira atravessou todas as transformações técnicas e estéticas da História do Cinema. É o único realizador a fazer a travessia do cinema mudo ao sonoro, do preto e branco à cor, e chegando até ao cinema digital. Sempre teve uma enorme e genuína curiosidade em relação a tudo o que era novidade. E acompanhou todos os acontecimentos marcantes do século XX, funcionando os filmes como um repositório de experiência passada.

Uma ramada de buganvílias separa os dois edifícios da Casa do Cinema projetados por Siza Vieira, um resultante da reconversão de uma antiga garagem, outro inteiramente novo, em diálogo com o Parque de Serralves
Lucilia Monteiro