Laura Fischer guardou apenas um objeto do tempo passado em Marrocos, onde integrou um projeto humanitário. A bandeja de prata é o símbolo de uma experiência traumática e da vontade de superação da jovem. Quatro anos após ter sido raptada e violada, e ultrapassado o período de negação, regressa ao norte de África para recuperar o controle da sua vida. O documentário A Viagem de Laura, primeira produção independente do suíço Matteo Born, venceu o open call da segunda edição do Mental – Festival de Saúde Mental, que adotou a cultura e a arte como aliado poderoso para combater o estigma associado ao tema e a iliteracia que existe à sua volta. “A saúde mental é uma questão absolutamente normal, qualquer pessoa tem episódios em que não está 100% bem. O que não quer dizer que esteja doente. Mas ainda há, na nossa sociedade, um imenso preconceito”, sublinha Ana Pinto Coelho, a curadora e diretora do festival, que decorre em Lisboa, a partir desta quarta, 14, até dia 25, e tem uma extensão no Porto, nos dias 29 e 30.
O Mental começa nesta quarta, 14, com o lançamento do livro As Aventuras de Mr X – A Trilogia, uma seleção de contos de João Gata, apresentado por João Tordo e João Vasco Almeida, no espaço Atmosfera M, em Lisboa. “É um trabalho extraordinário, cuja escrita foi absolutamente terapêutica para o autor, numa altura em que lutava contra a depressão”, adianta Ana Pinto Coelho.
Os grandes momentos de debate acontecem nas M-Talks, conversas com convidados das áreas científica e pedagógica, moderadas por jornalistas. A esquizofrenia, o suicídio e a ciberdependência estão em destaque, seguindo-se o visionamento de filmes relacionados com estes temas: Mente Brilhante, de Ron Howard, na primeira sessão, já nesta sexta, 16; Her. Uma História de Amor, de Spike Jonze, no sábado, 17; e Sala de Suicídio, estreia nacional do filme do polaco Jan Komasa, no sábado, 18. As sessões, sempre às 21 e 30, decorrem no Auditório Orlando Ribeiro, em Lisboa.
“Na primeira edição do Mental, o público fez muitas perguntas, não estava à espera de haver tanta participação, nomeadamente da sociedade civil, o que significa que as pessoas estão interessadas”, nota Ana Pinto Coelho, conselheira em adições, dependências químicas e de comportamento, com formação em Oxford, Inglaterra. “Evitamos um discurso académico, porque nada disto faz sentido se não chegar ao grande público. Não estamos a falar apenas para dentro de uma sala. Aliás, as conversas serão gravadas e disponibilizadas no Youtube”, acrescenta.
Do programa consta ainda a mostra dos nove filmes finalistas do open call internacional, entre sexta, 16, e domingo, 18. Foram selecionados entre os 90 filmes submetidos a concurso, de 23 países (entre curtas e longas-metragens, ficção e documentário), onde se abordam temas como a depressão pós-parto (Os Primeiros Dias, de Clancie Brennan), o suicídio nas camadas jovens (Está na Hora de Quebrar o Silêncio, de Tristan Loraine) ou a esquizofrenia (Crazy, de Lise Zumwalt). “Há trabalhos muito bons e bonitos, premiados, mas a diferença é que tratam de temáticas de que as pessoas não falam por medo, vergonha ou estigma”, adianta a diretora do Mental.
Esta edição conta com a apresentação de dois espetáculos, no dia 24, no Auditório Carlos Paredes, em Benfica: Mundos, do núcleo de dança do Hospital Júlio de Matos; e #Adepressãotemestasfuças, de e com Sónia Baptista, com a artista a abordar as quedas no abismo. No dia 25, o programa será dedicado às crianças, com a peça Divertidamente a ser levada à cena pelo teatro terapêutico da unidade W Mais da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, seguida de uma M-Talk (conversa) sobre a prevenção e da exibição do filme Coco – A Vida é uma Festa, de Lee Unkrich.
Nos dias 29 e 30, uma versão mais reduzida do festival chega ao Porto. Mas o desejo de Ana Pinto Coelho é de que o Mental possa um dia percorrer todo o País, à semelhança do Scottish Mental Health Arts and Film Festival, festival escocês no qual se inspirou. “Raramente se fala sobre a saúde mental e, quando se fala, faz-se sempre o mesmo tipo de abordagem”, salienta. Sabendo que Portugal tem a taxa de depressão mais elevada da Europa, torna-se ainda mais premente a consciência e o conhecimento sobre estes temas. E a subsequente mudança de mentalidades.
Mental – Festival de Saúde Mental > Espaço Atmosfera M, Porto e Lisboa > Auditório Orlando Ribeiro e Auditório Carlos Paredes, Lisboa > Auditório Almeida Garrett, Porto > 14-30 nov > mostra de cinema e espetáculos €5 a €7, passe €20 > programa completo em mental.pt/