1. Hotel Savoy
Joseph Roth
Autor de uma vasta obra, apesar da sua curta vida, Joseph Roth (1894-1939) é um nome central na literatura europeia do século XX. Nos seus romances, o escritor austríaco oferece-nos um retrato de um mundo em mudança (e em ruína), balizado entre as duas guerras mundiais. Em obras como A Marcha de Radetzky, A Cripta dos Capuchinhos ou Direita e Esquerda, sobressaem as contradições da época e as forças que desembocaram na afirmação dos fascismos no Velho Continente.
Publicado há precisamente 100 anos, Hotel Savoy tem o interesse acrescido de ser um dos primeiros livros de Roth e de nele encontrarmos a raiz desta abordagem literária. Na primeira pessoa, também usada noutras obras, um jovem judeu inicia o regresso a casa depois de três anos de prisão num campo siberiano. A guerra acabou, mas o cenário ainda é de desnorte. A meio do caminho, para num hotel (o Savoy do título) e entra num mundo dentro do mundo, num microcosmos que representa toda a Europa. Cada hóspede quer refazer a vida, mas as antigas divisões sociais ainda parecem ter força para impor hierarquias. E constantemente chegam novas figuras, personagens, vultos misteriosos, a quem Gabriel Dan, o narrador, procura dar sentido, conhecer, interpretar. Hotel Savoy é uma subtil metáfora de um continente preso na sua própria destruição. Ontem, como hoje. D. Quixote, 160 págs., €13
2. O Dia da Coruja
Leonardo Sciascia
Saúde-se o regresso às livrarias, quase 30 anos depois da última tradução, do escritor italiano Leonardo Sciascia. E logo com o seu romance mais famoso. Nascido em 1921 e falecido em 1989, Sciascia foi um escritor, jornalista e político muito influente no seu tempo. Publicou vários policiais que o tornaram popular em Itália e não só, mas foi este O Dia da Coruja (aqui com tradução de Filipe Guerra) que consolidou o seu nome nas letras italianas. Publicado em 1961, marcou a sua estreia no romance e na denúncia da corrupção e dos tentáculos da máfia na Sicília. Uma obra corajosa num estilo enxuto, sempre no osso, que gira em torno de um capitão que procura ligar uma série de crimes. Todos apontam para a mão invisível da cosa nostra e para o seu tráfico de influências junto de altas figuras do regime. Mas, perante o silêncio das vítimas, reunir provas revela-se uma tarefa quase impossível. Presença, 144 págs., €13,90
3. Presidio
Randy Kennedy
Do vasto universo literário dos EUA chega-nos um inesperado e divertido romance com fora da lei, viagens pela estrada fora e uma miríade de personagens. Presidio, de 2018, aqui traduzido por José Mário Silva, já foi descrito como um digno representante do “Texas Noir”. Nessa microcategoria literária cabem certamente os traços de identidade que associamos ao estado – campos vastos e áridos, costumes modernos e antigos, figuras excêntricas e improváveis. Na sua estreia literária, Randy Kennedy soube trabalhar esses ingredientes a partir de uma intriga quase cinematográfica e cheia de vidas que fazem e desfazem o sonho americano. O motor da história é o regresso de Troy Falconer à sua cidade natal. Vem ajudar o irmão a encontrar a mulher, que fugiu com o dinheiro do casal. Roubam um carro, mas lá dentro está uma criança menonita. E a partir de certa altura já não se sabe quem persegue quem. Gradiva, 344 págs., €19,99
4. Está Tudo Bem
Cecilia Rabess
Nova Iorque, século XXI. Mulher negra e de esquerda antagoniza homem branco de direita. Conhecem-se na faculdade, cruzam-se na análise financeira ao serviço de um gigante da banca mundial, alimentam-se da troca de comentários sarcásticos entre si, até que acabam por se apaixonar. Podia ser só o enredo de um blockbuster romântico sem grande surpresa, mas consegue ser mais do que isso, até porque a história toma rumos pouco óbvios. Tem como pano de fundo as questões raciais vividas por quem procura ignorá-las, as discussões em torno da ideia de supremacia branca e a ascensão da direita conservadora na era Trump, sob o olhar da mulher em busca de um lugar de pertença. É o romance de estreia de Cecilia Rabess, ex-cientista de dados da Google e agora escritora, e vem cheio de créditos e aplausos da Imprensa internacional, do The Guardian ao The New York Times. M.C.B. ASA, 400 págs., €19,90
5. A Vergonha
Annie Ernaux
Prossegue, entre nós, a divulgação da obra de Annie Ernaux, fortemente impulsionada pela atribuição, em 2022, do Nobel da Literatura à escritora francesa. E assim, livro a livro (já lá vão nove), se consolida a certeza de estarmos perante uma extraordinária escultora da memória. Mais do que fixar momentos autobiográficos específicos, Ernaux trabalha a partir da recordação, dos vestígios que a passagem dos anos reteve. No caso deste novo lançamento, A Vergonha (com tradução de Maria Etelvina Santos), o ponto de partida é o dia em que o pai da escritora quis matar a sua (dela) mãe. O livro foi publicado em 1997, e essa tentativa de homicídio deu-se em 1952. E por estas duas datas se vê como a passagem do tempo é tão importante quanto o acontecimento em si, não só por possibilitar a escrita sobre o assunto mas sobretudo por o iluminar e reinterpretar. Livros do Brasil, 96 págs., €14,40
6. Três Mulheres na Cidade
Lara Moreno
Estreia em Portugal da escritora e editora Lara Moreno (nascida em Sevilha, em 1978), com um forte romance de personagens, centrado na ideia de violência – a visível e a calada. A história tem três protagonistas, a espanhola Oliva, a colombiana Damaris e a marroquina Horía, que se cruzam num prédio no bairro La Latina, em Madrid, mas vestem vidas anónimas e sofridas. Com um tom poético e um registo a tocar o desespero, aqui a desempenhar bem o papel de pôr o leitor a querer desvendar mais sobre o que corre no íntimo das três mulheres, acompanha–se a existência de cada uma delas, numa tentativa de se manterem no controlo da situação, ainda que esta lhes pareça escapar. De uma forma subtil, é um livro que fala da solidão dentro das comunidades, da brutalidade das migrações, dos maus–tratos em casa e da estratificação social à luz dos dias de hoje. M.C.B. Alfaguara, 344 págs., €18,85
7. The Maniac
Benjamín Labatut
Depois da leitura de Um Terrível Verdor, lançado por cá em 2020, já sabíamos que Benjamín Labatut tinha uma predileção por grandes figuras da Ciência e que sabia, como poucos, cruzar ficção e história. Mas nada nos preparou para The Maniac, o romance que sucede a essa coletânea de contos, agora em edição portuguesa, com tradução de José Miguel Silva. Ao revisitar três grandes figuras do século XX, Paul Ehrenfest, John von Neumann e Lee Sedol, o livro é, ele próprio, uma experiência científica e literária, que se metamorfoseia de capítulo em capítulo, ora se baseando em factos, ora seguindo a intuição do seu autor, ora se alongando em extensos parágrafos, ora se detendo na concisão.
Em pano de fundo, a nossa ligação com as máquinas. Tal como em Um Terrível Verdor, o génio de Labatut está aqui na capacidade de mostrar as figuras por trás das grandes criações dos últimos séculos e, mais do que isso, a vida própria que essas criações alcançaram (simbolizadas, no romance, no confronto de Sedol com um computador num jogo de Go). Talvez por ter nascido nos Países Baixos, mas viver há muito na América do Sul, por ter escrito sobretudo em espanhol, mas aqui ensaiar o seu primeiro romance em inglês, Labatut é particularmente atento às personagens com muitas vivências e ramificações. E em Ehrenfest, von Neumann e Sedol, procura não só o génio das grandes cabeças (na física quântica, na computação e na Inteligência Artificial) mas também as suas circunstâncias quotidianas e familiares. Um romance sobre a nossa relação com o futuro que inventámos. Relógio d’Água, 336 págs., €22