Os livros são os mesmos, mas a experiência de leitura é totalmente diferente. Há qualquer coisa de mágico nas edições especiais que a dupla de designers MinaLima preparou para a saga Harry Potter. Em Portugal, pela mão da Editorial Presença, que detém os direitos da série para o território nacional, saiu recentemente o terceiro volume, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban. O texto não muda, mas a cada página a surpresa visual alia-se às voltas e reviravoltas do enredo, com imagens que iluminam passagens e que se abrem e se desdobram numa festa para o olhar.
As edições dos MinaLima são a mais recente revisitação do universo criado por J. K. Rowling, acompanhando uma tendência crescente da cultura de entretenimento. Hoje, em algumas áreas, um livro já não é apenas um livro. Transforma-se rapidamente numa banda desenhada, num filme ou numa série, e multiplica-se em muitas outras edições. Em alguns casos, obras e personagens emblemáticas são continuadas muito depois da morte dos seus criadores, como tem acontecido com Hercule Poirot, James Bond, a série Millennium, de Stieg Larsson, As Aventuras do Cinco, de Enid Blyton, ou as odisseias do mais temível gaulês, Astérix.
Neste aspeto, o universo de Harry Potter tem sido contido, seguindo uma política de alargamento mais cautelosa. É verdade que, entre 2001 e 2011, foram produzidos oito filmes para os sete romances (o último teve direito a primeira e segunda partes), e que a partir desses filmes se realizam regularmente concertos com a sua banda sonora, como o que está agendado para a Altice Arena, em Lisboa, a 17 de fevereiro. A Orquestra Filarmonia das Beiras, com mais de 90 músicos em palco, revisitará a composição que Alexandre Desplat fez para a primeira parte de Harry Potter e os Talismãs da Morte.
Ao nível do merchandising, a oferta é variada, dos bonecos às construções em Lego, dos adereços às festas temáticas. Ainda assim, tudo se tem concentrado nos livros. Divulgando a oferta da casa-mãe inglesa, a Bloomsbury, a Presença tem lançado várias edições. Com capas diferentes, comemorativas dos 20 anos da saga (o primeiro volume foi lançado em 1997) ou até as dedicadas às melhores passagens de cada uma das equipas de Hogwarts, a mais famosa escola de feiticeiros do mundo: Gryffindor, Hufflepuff, Ravenclaw e Slytherin.
Também estão disponíveis álbuns ilustrados de grande formato. E acabam de ser publicados um almanaque e um novo livro de receitas, mas já lá iremos. Antes, é tempo de regressar à magia proposta por MinaLima.
As edições ilustradas com a marca da dupla MinaLima, um completo almanaque e um livro de cozinha mostram o poder de atração do universo de Harry Potter no mercado editorial
Leitores ativos
As edições especiais desta dupla surgem na sequência dos lançamentos já referidos e sobretudo da experiência que acumulou na produção dos oito filmes. Miraphora Mina e Eduardo Lima conheceram-se durante a rodagem da adaptação do segundo romance de Harry Potter. Ela, inglesa, já era designer gráfica principal, responsável pela equipa que compunha os cenários. Ele, brasileiro, juntou-se à equipa com o entusiasmo que vinha da leitura dos livros. Entenderam-se bem e desde então nunca mais deixaram de trabalhar juntos.
“Quando colaborámos nos filmes, a nossa responsabilidade era trabalhar com o guião e dar vida à visão do nosso designer de produção, Stuart Craig, que, por sua vez, trabalhava em estreita colaboração com o produtor e o realizador do filme”, recorda, à VISÃO, Eduardo Lima. “A ideia era enraizar o mundo mágico de Harry Potter na realidade e torcê-la apenas um pouco para a ficção surgir.” O designer dá como exemplo o jornal de Hogwarts, o Daily Prophet, que se assemelha a muitos que estão à venda em quiosques de todo o mundo. Mas, com a ajuda dos efeitos visuais, as imagens e os textos podiam mudar ou ganhar movimento.
Foram anos intensos e trabalhosos que transformaram as suas vidas e que, sobretudo, lhes garantiram uma estética própria, que se impôs gradualmente nos filmes. Em paralelo, já assumindo a designação de MinaLima, Miraphora e Eduardo começaram a trabalhar em edições especiais de grandes clássicos. “Temos de agradecer ao Peter Pan por todos os livros que temos feito, pois foi com ele que começámos esta viagem fantástica”, refere Lima.
Ao texto acrescentaram imagens e elementos interativos, evocando a memória (e a alegria) das obras em pop-up. Aplicaram a fórmula em O Livro da Selva, A Bela e o Monstro e A Pequena Sereia. E encontraram o seu estilo: ilustrações cheias de cor e luz e páginas que convidassem o leitor a tornar-se participante ativo na viagem da leitura. O convite para fazer o mesmo com a saga toda de Harry Potter não tardou.
O mais estimulante na escrita de J. K. Rowling é ter descrições pouco pormenorizadas, mas sempre carregadas de emoção. Isso dá-nos muita liberdade
Miraphora Mina
Regressaram, assim, a um universo que conheciam bem dos filmes. “Desta vez estamos a construir verdadeiramente um mundo”, adianta, à VISÃO, Miraphora Mina. “Temos o controlo total das ilustrações, da arquitetura, dos espaços interiores, da iluminação, das roupas, de tudo!” A pressão, no entanto, aumentou consideravelmente. Antes, eram uma peça da enorme engrenagem da Warner Bros, responsável pela produção dos filmes, agora lidam diretamente com as expectativas e sobretudo com o imaginário dos fãs.
Mas compensa, garantem. E há muito para explorar. “O mais estimulante na escrita de J. K. Rowling é ter descrições pouco pormenorizadas, mas sempre carregadas de emoção”, sugere Mina. “Isso dá-nos muita liberdade e um sem-fim de interpretações artísticas.”
Dos sete volumes que compõem a saga de Harry Potter já há três edições feitas pelos MinaLima, todas já traduzidas em português. Em O Prisioneiro de Azkaban é possível “folhear” o interior do Autocarro Cavaleiro, rodar a colher na chávena de chá da professora Trelawney, abrir o guarda-fatos do professor Lupin ou entrar literalmente na loja do Zonko. É ler, ver, tocar e imaginar.
“Queremos que o leitor fique surpreendido e encantado com a narrativa visual”, frisa Eduardo Lima. “E é muito importante para nós a participação ativa do leitor na leitura. Os livros e os filmes, cada um à sua maneira, apelam à imaginação. Mas com estes livros em que há peças que saltam, abrem ou giram, o leitor está implicado fisicamente no desenrolar da história. É, ele próprio, construtor do enredo.”
Já a trabalhar no quarto volume, ainda sem data de publicação, Miraphora e Eduardo não temem esgotar ideias ou soluções gráficas: “Os principais locais e personagens foram definidos no volume inaugural, mas felizmente há novos protagonistas e recantos a surgirem a cada novo livro. Os nossos músculos criativos nunca têm descanso.”
E o leitor, se quiser, também não terá. Com fome de Harry Potter, pode preparar, para familiares e amigos, receitas do Livro de Cozinha Oficial de Harry Potter, também editado pela Presença. Ou recordar a vasta galeria de personagens, episódios, artefactos, magias, varinhas, professores ou regras de Quidditch no completo e profusamente ilustrado Almanaque do Mundo Mágico de Harry Potter, lançado pela mesma editora. Dois títulos que comprovam que o universo do feiticeiro mais conhecido de Hogwarts é inesgotável e apela constantemente à leitura e à releitura.