1. Ferry
Djaimilia Pereira de Almeida
Desde que se estreou, em 2015, com Esse Cabelo, Djaimilia Pereira de Almeida tem vindo a distinguir-se por narrativas que constroem o seu próprio género literário. Ora seguindo um pai e um filho de Angola até Portugal, ora resgatando a vida perdida do Capitão Celestino, quer recriando conversas telefónicas à distância, quer imaginando a torrente de um maremoto epistolar. Ferry, o seu livro mais recente, é o aprofundar dessa tensão literária que cativa o leitor pela estranheza, pelos jogos que propõe, pela força das vozes que emanam das páginas. Aqui, descobre-se uma história de amor, daquelas que atravessam uma vida inteira e se revelam capazes de superar qualquer obstáculo, incluindo a loucura que se pressente desde a primeira página e que, gradualmente, se impõe às personagens e ao texto. Vera vive em fuga de si mesma e só encontrará abrigo em Albano. Albano, por sua vez, nunca faltará à chamada, mesmo que, para isso, tenha de se apagar também. A fronteira entre o real e o efabulado (a destruição de Lisboa, a criança que nunca foram capazes de ter) imprime à narração um ritmo quase vertiginoso, embora Djaimilia Pereira de Almeida se demore nas descrições interiores e exteriores. Cúmplices e encadeados, seguimos a bordo do ferry, que, como se imagina, não tem aonde aportar. Estas personagens rumam até ao fim de si mesmas. Relógio d’Água, 168 págs., €17
2. A Cidade das Flores
Augusto Abelaira
Saúde-se a reedição, na Minotauro, da obra de Augusto Abelaira, escritor que há já algum tempo andava mais pelos alfarrabistas do que pelas livrarias. Nascido em 1926 e falecido em 2003, Abelaira é um nome central da literatura portuguesa do século XX, com um impacto enorme em sucessivas gerações de escritores. A começar, desde logo, por A Cidade das Flores, seu primeiro romance, lançado em 1959, em edição de autor, e com novas edições a partir de 1961. Em plena ditadura do Estado Novo, muitos puderam rever-se nesta narrativa passada em Florença, durante o regime fascista de Mussolini, subtileza geográfica capaz de enganar os censores da época. Mas a resistência é a mesma, tal como o idealismo. Aqui se retrata uma geração esmagada pelo peso do século e da História, em busca de um futuro. Este novo volume inclui dois posfácios de Abelaira a este romance, que abrem o apetite para novas reedições. Minotauro, 292 págs., €16,90
3. Esse Fado Vaidoso
Maria do Rosário Pedreira e Aldina Duarte
Há já várias décadas que o fado se apropriou da poesia erudita, escrita por poetas sem qualquer intenção musical. Foi Amália quem abriu esse caminho, o que não só permitiu a recuperação de versos esquecidos e improváveis como a possibilidade, hoje cada vez mais frequente, de se interpretarem novos poetas e poemas (muitos escritos de propósito para determinado fadista). Essa tendência é bem documentada na antologia Esse Fado Vaidoso, organizada por Maria do Rosário Pedreira e Aldina Duarte, ambas conhecedoras do mundo do fado. O resultado é surpreendente, pela representatividade e diversidade (261 fados de 80 poetas), e enriquecido pelo prefácio de Rosário Pedreira, que nos esclarece sobre esta relação entre poesia e música e as diferenças entre o escrever, dizer e cantar. Bem se pode dizer: silêncio, que se vai ler o fado. Quetzal, 334 págs., €17,70
4. Escrito nas Margens – Livro de Horas VIII
Maria Gabriela Llansol
Maria Gabriela Llansol é um dos casos mais singulares da literatura portuguesa, quer pelo conjunto da sua obra, feita de uma escrita contínua, quer pelas inúmeras cumplicidades que estabeleceu ao longo da vida. Muitos dos seus amigos e admiradores têm preservado o seu legado, transcrevendo e publicando, em diversos Livros de Horas, os seus cadernos cheios de material inédito. Este sétimo volume é um dos mais curiosos, na medida em que recolhe a sua marginália, o que escrevia nas margens dos livros. É o contacto imediato com a reação estética e emocional da escritora, nascida em 1931 e falecida em 2008, para quem “no fim dos livros há sempre que escrever”. Estes pequenos textos são notas, apontamentos, ideias para futuros escritos, um diálogo permanente e literário, que também nos revela as suas obsessões temáticas. Assírio & Alvim, 292 págs., €16,60