1. The Line Is A Curve, de Kae Tempest
![](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2022/05/220522_kae-tempest-1080x1080.jpg)
Em 2020, Kate Tempest deixou cair o “t” do primeiro nome e passou a ser Kae Tempest, para melhor se afirmar na identidade não binária que assumiu nesse ano, como uma libertação e um recomeço. A identidade artística, essa, não mudou. Tempest continua a ser uma artista dividida entre a poesia e a música. Mais uma vez, em The Line Is A Curve as palavras estão na linha da frente, disparadas com a cadência da spoken word, num registo necessariamente contaminado pelo hip-hop. Os desafios de uma saudável afirmação pessoal no complexo mundo contemporâneo, com as suas frustrações e os seus triunfos, é tema transversal a todo o álbum. “I used to make planes, now I make decisions”, atira Kae em No Prizes. A parte musical das 12 faixas é falsamente simples – este é, aliás, um disco que ganha em ser ouvido bem alto e com boa qualidade de reprodução –, viajando entre hip-hop, pop, eletrónica e até nu-soul. As parcerias marcam esse (subtil) ecletismo: Grian Chatten, vocalista dos irlandeses Fontaines D.C., que se ouve logo na segunda faixa (I Saw Light), Lianne La Havas, Assia, Confucius MC, o rapper americano Kevin Abstract e, por cima de todos, o carismático e influente produtor executivo Rick Rubin. Acreditamos que, daqui a uns meses, este The Line Is A Curve só não estará na lista dos melhores discos do ano dos mais distraídos…
2. (watch my moves), de Kurt Vile
![](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2022/05/220522_1540-1.jpg)
O guitarrista e cantor americano parece ter atingido um ponto de equilíbrio perfeito entre o rock psicadélico no qual cresceu e a tradição folk-rock da costa oeste. Neste (watch my moves) percebe-se, melhor do que nunca, como consegue ser um exímio contador de histórias. A maior parte das letras são pequenas confissões, pensamentos avulsos ou estados de espírito extraídos da intimidade do músico para se transformarem em verdades absolutas. Na primeira das 15 faixas, Going in a Plane Today, o guitarrista está acompanhado apenas por piano e metais, e canta esta frase/memória deliciosa: “Going on a plane today, listening to Heart of Gold, gonna open up for Neil Young, man, life can sure be fun, imagine if I knew this when I was young.”
3. Sereias, de Sereias
![](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2022/05/220522_sereiasalbum-1080x1080.jpg)
Esta banda atrai também pela provocação, numa reminiscência de velhos tempos, quando o rock tinha uma substância poética que sobrevivia até além da música. Depois da estreia em 2018 com O País Está a Arder, em jeito de manifesto punk do it yourself, a banda encabeçada pelo letrista/vocalista/declamador António Pedro Ribeiro – reconhecido poeta anarquista portuense, ex-candidato à Presidência da República e agora aspirante a demónio do rock and roll – regressa com um trabalho musicalmente mais denso e equilibrado, pleno de reminiscências de kraut e pós-rock, mas também de jazz, funk, psicadelismo e experimentalismos vários, resultantes ainda da introdução de uma nova secção de sopros e mais uma voz, a de Arianna Casellas. Estes Sereias podem ser porta-estandartes em Portugal de uma contracultura que parecia condenada a extinguir-se e isso é motivo de celebração.
4. Multitude, de Stromae
![](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2022/05/220522_multitude.jpg)
Autor, em 2010, do contagiante hit Alors On Danse, Stromae (nome artístico do belga Paul Van Haver) afirma-se neste terceiro álbum como um seguríssimo e ambicioso escritor de canções nascidas numa Europa multicultural. As 12 faixas vão parar muitas vezes a uma temática: as ligações, familiares ou de outras naturezas, entre humanos, e a sua ausência, a solidão. Não é de estranhar neste filho de um pai ausente, ruandês, que morreria nos ataques genocidas no Ruanda em 1994. Mesmo que as semelhanças não sejam imediatas, diríamos que o grande nome da música popular belga, Jacques Brel, iria ouvir com atenção este conterrâneo, que também põe no seu trabalho tanta entrega e energia, num francês claro e escorreito.