Este tem sido um ano profícuo para Djaimilia Pereira de Almeida. 2019 terminara com o anúncio de que a escritora, nascida em 1982 em Angola, ganhara um dos mais importantes prémios literários em língua portuguesa, o Oceanos, atribuído pela Fundação Itaú, e 2020 começou com a chegada às livrarias de A Visão das Plantas, novela cuja ideia lhe surgiu a partir de uma frase d’Os Pescadores, de Raul Brandão. Em março, o seu livro de estreia, Esse Cabelo, de 2015, seria editado nos EUA e não passaria despercebido ao The New York Times (“atual e relevante” e com “um pano de fundo fascinante, que permite vislumbrar o legado do colonialismo”, lia-se na edição de 22 de março).

As Telefones (que não é o seu livro mais recente, pois no final de agosto publicou, com Humberto Brito, Regras de Isolamento, na coleção Retratos, da Fundação Francisco Manuel dos Santos) chegou às lojas no final do confinamento, depois de um trabalho que se prolongou por nove anos e acabou por passar despercebido. Injustamente.
Ao quarto romance, a escrita de Djaimilia atinge uma nova maturidade, num apurado registo entre contenção e intensidade. As Telefones traz-nos a relação entre uma mãe e uma filha que vivem separadas. “Para sobrevivermos, quando não estamos em linha, não existimos.” Filomena e Solange ao telefone, Solange ainda criança no início do romance, vivendo com a tia Benedita em Odivelas, uma miúda que espera impaciente por ouvir a voz da mãe, que está em Luanda, prometendo bonecas e fazendo perguntas. “Quando o telefone tocava, o dia ficava ao mesmo tempo salvo e azedo.” É nessa ambiguidade de sentimentos que vivem, entre o vazio que a ausência causa e a fantasia que a distância permite. A filha torna-se mulher, a mãe envelhece. Eis uma história contada por várias vozes, ao longo de anos, e pontuada também pela cumplicidade e a estranheza dos encontros físicos. A ler, com toda a atenção.