Só um operário, como Germano Silva em tempos foi, escreveria um livro tão costurado às gentes, labutas e agruras que deram identidade ao Porto através das suas profissões. A tarimba fez o jornalista de referência e o homem enciclopédico. Mas, antes disso, ele viveu na pele as chagas, a dureza e a exploração salarial, em parte aqui retratadas através de narrativas, quotidianos e ofícios desaparecidos – ou que o progresso já atirou para o precipício da extinção.
Nascido em 1931, marçano aos 11 anos, trabalhador na Fábrica de Lanifícios de Lordelo depois, Germano viveu no lombo o carrossel biscateiro, das jornadas laborais infindas às batalhas pela sobrevivência. Neste Porto, Profissões (quase) Desaparecidas, o jornalista resgata os habituais esquecidos na construção da memória coletiva que, devotos dos seus padroeiros, legaram à cidade páginas honradas de resistência e de luta contra prepotências e indignidades feudais, clericais e monárquicas. Esta é, pois, a homenagem ilustrada às vivências de alfaiates, caldeireiros, ferreiros, moleiros, aguadeiros, canastreiros, azeiteiros (não confundir com proxenetas, aqui também chamados assim), lavadeiras, carvoeiros, datilógrafos, carquejeiras, apanhadoras de malhas e alguns mais… Germano revela-nos outro Porto, cuja personalidade muito deve a estes artesãos da história subterrânea da cidade, elevando-os ao mesmo pedestal dos heróis e de mártires de grandes feitos e guiando o leitor pela geografia que, aqui e ali, ainda resiste à transfiguração acelerada do burgo. O Porto, na sua memória farrusca, obreira, de esgadanhar pela vida e de encorpar os brios da cidade, não morreu. Sobrevive, isso sim, na pena de Germano Silva, operário de palavras.