Quando, aos 105 anos, Manoel de Oliveira propôs a Álvaro Siza Vieira um filme sobre a sua obra, o arquiteto português desculpou-se com uma agenda muito apertada e uma viagem urgente à China. O realizador, tranquilo, respondeu-lhe. “Não se preocupe que não é para já! Temos tempo.” O episódio, que nos deixa um sorriso no rosto e uma reflexão no pensamento, é bem revelador de Manoel de Oliveira. Cento e seis anos de energia e empenho, 31 longas-metragens, 34 curtas e médias, mais projetos do que meios para os concretizar, muitas viagens, ideias e ambições. Refazer a sua vida num livro é um quebra-cabeças que Paulo José Miranda conseguiu resolver com conhecimento, inteligência e sobriedade. Primeiro grande esforço biográfico dedicado ao realizador português, apresenta uma inédita visão de conjunto. Essa será, sem dúvida, a sua maior força. Não faltam, em cinematecas e universidades, catálogos e estudos sobre o cineasta, que se estreou, em 1931, com Douro, Faina Fluvial. Visões parciais, contudo. O autor desta biografia, escritor e confesso admirador da sétima arte, sabe, e mostra-nos, que o cinema é o mais importante em Manoel de Oliveira. É nele que centra a sua atenção. Mas não esquece o contexto nem as raízes. Ao recuperar as vidas esquecidas, ou desconhecidas, do realizador, que também foi atleta, corredor de automóveis, gestor de fábricas e de vinhas, dá-nos a matriz da sua personalidade. E se a história que abre este texto é tocante, mais impressionante é ver como, aos 24 anos, Oliveira escreve um texto que, como nota o biógrafo, irá guiar toda a sua criação, moldada pela ideia de que o cinema é arte, não entretenimento. Das convicções nunca abdicou.
Passo a passo, descoberta a descoberta, filme a filme, Paulo José Miranda avança pela vida do autor de Francisca e Non ou a Vã Glória de Mandar. Nos anos em que Oliveira não filma, identifica as aprendizagens que foi buscar a outras áreas. No plateau, penetra no âmago do seu pensamento artístico, mais do que nas muitas personagens envolvidas e nas histórias que poderiam ser contadas. Não faltam episódios, polémicas com versões contraditórias, amores e desavenças, mas o tom, e o ritmo, é o de uma câmara que se demora no essencial, como nos filmes de Oliveira. É a biografia que a sua obra pede e merece. E por cobrir um século de humana existência, A Morte Não É Prioritária assume-se, também, como uma reflexão sobre as várias idades. Perante o mistério da vida, a sabedoria de quem soube vivê-la.
A par da biografia A Morte Não É Prioritária (Porto Editora, 584 págs., €19,90), que o ocupou nos dois últimos anos, Paulo José Miranda acaba de ver reeditada a sua trilogia Um Prego no Coração, Natureza Morta e Vício, pela editora Abysmo.