Fernando Hedgar da Silva depositava grandes esperanças no encontro com um ex-militar português, que tinha optado por permanecer na Guiné após o fim da Guerra Colonial (1961-1975). Quando o homem lhe perguntou como se chamava o pai, Fernando respondeu o único nome que a mãe, timidamente, lhe havia dito: “Furriel. O meu pai chama-se Furriel.” O ex-militar ficou incrédulo e explicou-lhe que Furriel não era um nome; antes uma patente. Afinal, Fernando sabia menos de nada sobre o seu pai. E era esse vazio que o preenchia quase por inteiro.
Seria o seu testemunho a motivar a jornalista Catarina Gomes a escrever um livro sobre os filhos que os militares portugueses abandonaram, depois da Guerra Colonial. Tudo começou com uma viagem à Guiné, em 2013, com o objetivo de revelar, no Público, estas histórias da História que ficam por contar. Seguiram-se quatro anos em que os contactos com estes filhos e filhas, de identidade truncada, se foram multiplicando. A maioria tem como única herança dos pais uma vida inteira de discriminação: eram “filhos de tuga”; eram filhos do “inimigo”. Pelo meio, também há (re)encontros felizes. Catarina Gomes escreve que “todos os dias morrem metades desta história” – os pais portugueses estão na fase final das suas vidas (os filhos têm entre 40 e 50 anos). As relações entre militares portugueses e mulheres africanas são, muitas vezes, romantizadas – todos os filhos gostam de se imaginar fruto de um grande amor. Contudo, estas crianças também foram fruto de casos de prostituição, de agressões sexuais ou de violações. Catarina Gomes chama-lhe um livro de pós-reportagem, no qual conta o que aconteceu, depois da publicação das histórias no jornal, e se assume como participante no enredo, em busca destes pais desaparecidos. Sem alarido, numa comoção sublime.